Opinião

Povo…

No sentido geográfico, ou mais ou menos etnográfico, o sentido da palavra povo foi variando: habitantes de uma região, população em geral, comunidade de pequeno tamanho, estrato mais “baixo” de uma sociedade. O conceito evoluiu, acabando por corresponder a uma comunidade, de dimensão variável, pelo facto de a vida em conjunto dessas pessoas, prolongada no tempo, consubstanciar-se em tradições, costumes e um passado cultural comum. O povo acabaria de ganhar um conceito jurídico-político muito preciso, sendo um dos tripés do conceito clássico de Estado. E logo também surgiram aqueles que consideravam que essa identidade e sentido de pertença existiriam em povos dominados, que assim aspiravam a constituir-se em Estado. Os fenómenos advenientes das globalizações aceleraram o reconhecimento progressivo, por parte do Direito Internacional, do direito à autodeterminação dos povos, e a gradual exigência de equiparação, em nome dos direitos humanos, do estatuto dos estrangeiros, bem como ainda o reconhecimento de identidades, com maior ou menor grau de autonomia política, de dimensão e carácter infraestadual – sendo estes alguns dos exemplos que têm abalado os conceitos clássicos de Povo e de Estado. Vem isto a propósito de alguma bem intencionada excitação, e cuja eventual desilusão tanto nos faz penar, das bem-intencionadas almas que se sobressaltaram de gozo autonómico com as referências feitas pelo Presidente Marcelo ao “povo açoriano” – expressão sempre tão mal tratado pelo Tribunal Constitucional, zeloso guarda da ortodoxia do Estado Unitário. Com pesar vos comunico, atenta a essencialidade do elemento sistemático de interpretação, que tal referência vem, quiçá não por acaso…, a seguir à simpática referência a “povo corvino”. Polissemia, não é verdade?...