Opinião

Construir... O Mar!

No passado mês de novembro foi promulgada, depois da sua aprovação final, a primeira alteração à Lei de Bases do Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (LBOGEMN - Lei nº 17/2004, de 10 de abril), que estabelece as políticas de ordenamento e gestão, visando a organização e utilização, do espaço marítimo. Entre outros aspetos, desenvolve: princípios, competências, procedimentos de elaboração e aprovação dos instrumentos de planeamento, bem como, direitos de participação e informação. Falamos de um momento ímpar, que reforça o desenvolvimento das autonomias regionais, dos Açores e da Madeira, ao concretizar uma participação efetiva, nos instrumentos de ordenamento e gestão, no espaço marítimo nacional. Este passo, de gigante, parece ter passado ‘despercebido’, num contexto de ocorrência, praticamente em simultâneo, com a 2ª vaga da pandemia COVID 19. Esta proposta do Governo dos Açores, depois de aprovada (por unanimidade) na Assembleia Legislativa Regional, deu entrada na Assembleia da República a 29 de janeiro de 2019, com aprovação final a 2 de outubro de 2020 e promulgação a 14 de novembro de 2020. Os Açores fizeram um percurso no sentido da correção da redação original da LBOGEMN, desde a sua publicação em 2014, face à necessidade de uma participação efetiva das Regiões Autónomas (RA’s) no processo de ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional. Argumentaram que a limitação colocada, de uma «consulta prévia» ou uma «audição», sobre o ordenamento e gestão, conforme exposto na LBOGEMN, constituíam uma limitação do poder de «participação» conferido pela Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como de «gestão partilhada», face ao exposto no Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA). As alterações, agora aprovadas, têm como pressuposto assegurar às Regiões Autónomas a capacidade de decisão sobre o Mar. Um recurso, que faz parte da identidade nacional, que se evidencia nas suas regiões, enquanto fator determinante para um desenvolvimento sustentável, para a criação de emprego e geração de riqueza assim como para a diversificação da economia regional que se impõe fazer. Com esta alteração, os Açores e a Madeira passam a ter competência própria, na elaboração, revisão e aprovação dos instrumentos de ordenamento do espaço marítimo, bem como no respetivo regime económico e financeiro. A Lei passa a considerar, na relação entre as Administrações Central e Regional, a “gestão conjunta”, sobre as águas interiores e o mar territorial que pertençam ao território regional e a “gestão partilhada”, do espaço marítimo adjacente aos respetivos arquipélagos. As regiões autónomas passam a exercer as competências afetas à administração central por Decreto Legislativo Regional, nas áreas adjacentes aos respetivos arquipélagos, do espaço marítimo sob soberania ou jurisdição nacional, até às 200 milhas marítimas, salvo quando esteja em causa a integridade e soberania do estado. Para além das 200 milhas marítimas, os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional são elaborados pela Administração Central, mediante a emissão de parecer obrigatório e vinculativo, das regiões autónomas, salvo nas matérias relativas à integridade e soberania do estado. É assegurada a competência exclusiva das regiões autónomas, para licenciar no âmbito da utilização privativa de bens do domínio público marítimo do Estado, designadamente, atividades de extração de inertes, da pesca e de produção de energias renováveis. Neste percurso, alguns aspetos assumem especial relevo: Sublinha o reconhecimento, às Regiões Autónomas, de uma posição privilegiada no percurso da promoção do ordenamento e gestão do espaço marítimo adjacente. Fica clarificada a interpretação do texto constitucional em que as regiões autónomas podem exercer poderes efetivos de ordenamento e gestão no espaço marítimo sob jurisdição nacional, salvaguardada a integridade e soberania do Estado. É concretizada a articulação face ao exposto na lei de bases, com o preconizado na CRP e o EPARAA. É reforçada a posição de que a proximidade à realidade, face à vivência insular ligada ao mar e às atividades marítimas, coloca os órgãos regionais em posição privilegiada para as melhores soluções de ordenamento e gestão do espaço marítimo adjacente aos arquipélagos. O desafio é grande! É do tamanho do Mar dos Açores! E é nosso!