Portugal, daqui a 4 dias, terá eleições presidenciais. Um ato eleitoral marcado, indelevelmente, pela atual e avassaladora vaga da pandemia. Os números não param de crescer. Os casos diários, segundo os especialistas, caminham a passos largos para os 15 mil. O número de óbitos já chegou à centena diária e o crescimento, nos próximos dias, parece irreversível. O número total de internamentos está à beira dos 5 mil. O número de internados em unidades de cuidados intensivos já superou os 800. O Serviço Nacional de Saúde está à beira da rutura. Assistimos, ainda muito recentemente, a uma longa fila de ambulâncias às portas de um Hospital à espera de vaga. A espera, muitas das vezes, significa um tempo superior a 6 e 7 horas. Os profissionais de saúde estão a caminho da exaustão. A Ordem dos Médicos, no passado dia 18 de janeiro, lançou um comunicado intitulado “Grito de alerta pelos doentes”. Só o título já nos devia arrepiar. Vivemos tempos dramáticos. Ninguém devia ter dúvidas disso. Mas, na verdade, anda muita gente distraída. Temos, por exemplo, candidatos presidenciais em campanha pelo País. Andam, de norte a sul, com agendas preenchidas. Visitas, encontros, reuniões, contactos com a população e até jantaradas. Parece, máscaras à parte, que estamos em tempos normais. Não, não estamos! E os candidatos, como muitos outros responsáveis políticos, sabem, mas continuam numa bolha onde, por exemplo, os testes abundam. Onde após um teste inconclusivo, faz-se logo outro e outro e outro. Onde o isolamento tem horário e permite pausa para um saltinho ao café, ao Hiper ou a um passeio pela cidade. Tudo isto é inacreditável e um péssimo exemplo para o denominado “mundo real”. Vai daí não se percebe a estranheza, e até indignação, no que respeita ao movimento pelo País em pleno decurso do dever geral de recolhimento domiciliário. E não se percebe por um simples motivo: não há dever geral nenhum. O que nos foi anunciado, à primeira vista, remetia-nos para a re-edição de março e abril de 2020. Acontece que se tratou de erro claro de perceção. O atual dever, dito geral, tem exceções para todos os gostos e feitios. Logo à partida, temos uma comunidade educativa, estimada em mais de 2 milhões de pessoas, que fica fora do tal dever geral. Depois, e com a porta aberta, temos mais meia centena de exceções. Portanto, em resumo, perante um mega incêndio foi decidido que o combate ao mesmo será feito com uso de pequenos baldes. É perante esta realística metáfora que volto ao “grito” da Ordem dos Médicos. O referido comunicado é de leitura obrigatória. Por todos! No documento, da autoria do Bastonário da Ordem dos Médicos e do respetivo Gabinete de Crise para a Covid-19, para além de se renovar um conjunto de 10 propostas urgentes para combater eficazmente a pandemia, destaco, em primeiro lugar, a seguinte passagem: “ Os profissionais de saúde neste momento têm de tomar decisões complexas e muito difíceis em contexto de medicina de catástrofe e de estabelecimento de critérios de prioridade e não conseguem salvar todas as vidas. São eles que desesperam perante os limites do sofrimento e da compaixão, mercê da incapacidade de tratar o outro, e assim são vítimas de burnout e sofrimento ético. São eles que, além dos doentes, sofrem no terreno, e que aguentam a pressão brutal sobre o SNS.” E, a terminar, mais esta: “Ninguém pode continuar, por más decisões políticas, a tolerar a morte silenciosa de quem não consegue gritar.” Vamos ignorar este GRITO???