Desde 2 de março de 2020 que em Portugal vive-se cenários inimagináveis, a par de outros locais do mundo. Ontem foi notícia que a Comissão Europeia pretende avançar com legislação comunitária para criar um “passaporte de vacinação”, onde nada é certo, nem o modelo, nem a data de entrada em vigor. O que parece ser certo, é que será algo semelhante a uma declaração digital que permita aos cidadãos viajar dentro da UE após garantia de que não representam um risco de transmissão. Assim, passado um ano após os primeiros casos oficiais em Portugal, o documento de vacinação europeu parece ser o instrumento que promete desconfinar a economia e a sociedade, num país onde por estes dias 2,6% dos portugueses já receberam as duas doses de vacina e estando em falta vacinar 67,4% dos cidadãos para atingir a imunidade de grupo. É fácil admitir, mesmo perante os prós e contras, a utilidade do “passaporte de vacinação” para o desconfinamento. Será positivo para a economia, para a circulação de pessoas e para a retoma dos setores estrangulados pela crise sanitária. Mas servirá os direitos constitucionais dos cidadãos onde provavelmente para o verão 70% da população adulta estará vacinada, mas durante esse processo alguns estarão impedidos de, no extremo, entrar numa loja? Se a Comissão Europeia formalizar um “passaporte de vacinação”, teremos a mesma estratégia de testes” de despiste da covid-19, o ritmo de vacinação manter-se-á e a distribuição de vacinas será equitativa para os diferentes membros? Ou estaremos perante uma exclusão dos direitos dos cidadãos que dependem da resposta do Estado? As medidas epidemiológicas são normalmente aceites para a defesa do nosso maior bem, a nossa saúde. Um “passaporte de vacinação” é uma medida com objectivos epidemiológicos ou económicos?
Rabo de Peixe, a cerca vista do Google Earth
A estigmatização é inaceitável. Por cá, ainda sem um “passaporte de vacinação”, soube-se que o Governo Regional publicou dados que permitiram identificar moradias de famílias com casos de COVID-19 por recuperar. Teremos os casos de COVID georrefereciados e de fácil pesquisa no Google Earth? - eis um bom exemplo do mau uso das potencialidades digitais. Certamente esta decisão não foi para estimular a economia, o que por si só seria condenável - o que dirão os cautelosos defensores dos cidadãos “presos” em hotéis? Avaliando pela ausência de um pedido de desculpas ao povo de Rabo de Peixe, a circunstância é grave; avaliando pela opção política, esta fere princípios éticos. Como ficaram os lesados, bem sabemos. Como ficou o responsável político, nada sabemos.