Opinião

Os impolutos seres de cartão validador sempre no bolsinho do blazer

Que o mais nobre cidadão, cansado da Sr.ª D. Constância política, bem sentada, perninha traçada, noite após noite, em seu tão apreciado sofazinho de sala, venha outra vez lançar a boca de que, determinado político, nunca nada fez mais na vida, senão política, precisamente, ainda vá, ainda se compreende. É natural. Analisado o enquadramento, é claro que se compreende. Até eu o diria, estou certo, certíssimo, caso por lá me sentasse num desses diazinhos mais amargos de boca. De certeza. Estou convicto disso. Agora, senhor colega de trabalho ou senhora colega de trabalho: pense lá, por favor, só mesmo mais um bocadinho, antes de o repetir outra vez. É que, ainda por cima, parece-me mesmo das piadolas mais recorrentes, como das mais incoerentes, arremessadas como granadas para o lado de lá da bancada, ora com toda a violência, ora do modo assim mais dissimulado e delicodoce, conforme a oportunidade e o momento. Vamos lá ver uma coisa: o trabalho que o político desenvolve, diariamente, com tudo o que de bom tenha ou até nem tenha, consiga ou até nem consiga fazer, no limite das suas próprias capacidades, humanamente, lá está, é então menos honrado do que desenvolver outra atividade profissional qualquer? E importa assim tanto já ter sido empregado de uma outra área profissional qualquer antes de nesta, na da política, se trabalhar? Parece que para se ser um político que se preze, digamos que verdadeiramente honrado e sem mácula, tem que, pelo menos, se ter cumprido alguma espécie de serviço (ao estilo da ex-obrigatoriedade militar, diria) numa outra área qualquer, não importa qual, a sério, já que todas - as outras - serão mais do que suficientemente honradas para servir como cartão de entrada nesta atividade que, afinal de contas, para alguns, encerrará em si mesmo caraterísticas ligeiramente duvidosas. E o que pensar, então, desses tais 'alguns' se afinal forem também eles próprios políticos? Ora, portanto, qualquer político que proceda ao arremesso desta piadola, ainda que vezes sem conta, sente-se inteiramente protegido pelo simples facto de o mesmo não se ter passado consigo, nem para lá perto... certo?! Mas que tremenda falta de inteligência! E então o que importa não é, precisamente, a sua própria (in)competência em argumentar sobre os assuntos a tratamento, em vez disso? E então o que importa não é a qualidade do desempenho na atividade política que exerce, tal e qual como em qualquer outra profissão, exatamente? E então o que importa não é a seriedade e a preparação de cada um na prática da sua profissão? Que melhor pessoa, cidadão, trabalhador, é um político em relação a outro pelo simples facto de ter já sido funcionário de uma outra qualquer arte ou ofício? Mas que coisa mais sem jeito... A piodala, esta, é de garantida risada e, por isso, cá vai disto outra vez! E há sempre uns quantos que deliram, impolutos seres de cartão validador sempre no bolsinho do blazer e de foto, preferencialmente na bancada parlamentar, muito esticadinhos, a bombar pelos facebooks mais insuspeitos da internet. Isso é que importa. Se aquilo que antes fizeram foi mesmo bem o mal feito, honrado ou se nem bem assim, não importa lá nada...Nadinha! Se aquele que, ao entrar jovem na política, tem realmente mérito por esse facto como pelo de ainda nela se manter, também não será mesmo nada relevante, nem pensar nisso, claro que não, pelo contrário, será um oportunista, no mínimo, que só faz mesmo o que eu faço - política! - ainda que totalmente diferente, claro, porque do lado de lá da bancada, lá está. Se aquele que entra jovem na política tem nisso mérito porque, eventualmente, nele cedo se reconheceram capacidades intelectuais invulgares para o desempenho dessa atividade, como se o tivesse sido por uma outra atividade qualquer, nada, nada, nada, para quê, não conta para nada!... Tenho aqui o cartãozinho que me confere todo o conforto assim como todo o direito de o repetir! Ora aí é que está!  E isso é o que, do passado, mais importa para garantir a minha total imunidade e competência! E mai'nada!...
É triste.