Opinião

Non ou a Vã Glória de Mandar

Em 1990 Manoel de Oliveira foi homenageado no conhecido e reconhecido Festival de Cannes, data onde foi mundialmente estreado o seu filme intitulado Non ou a Vã Glória de Mandar.
Trata-se de uma obra histórica que tem como pano de fundo a guerra colonial e que através de um grupo de soldados destacados em África, dos quais se destacou o Alferes Cabrita, enquanto avançavam pelo mato, acaba por percorrer a memória de guerra de Portugal passando por uma série de momentos desastrosos, sobretudo militares, compondo-se de modo alegórico e metafórico uma ironia histórica em que por um lado se presta homenagem a um Povo e por outro se retratam os "non" da História de Portugal.
O último ano ficou marcado pela Pandemia provocada pela COVID-19 e pela alternância política na governação da Região.
A atual intervenção no combate a esta Pandemia bem como a atual governação política incutem cada vez mais apreensão na população.
Apreensão pela injusta responsabilização do comportamento da população micaelense pelo evoluir de casos na ilha de São Miguel, pela estigmatização da população residente na vila de Rabo de Peixe, pelo opaco processo de vacinação na Região, pela omissão da circulação da estirpe inglesa de SARS-CoV-2, toldando, assim, um comportamento efetivamente negligente na ação.
Apreensão pela flagrante violação da lei e um grosseiro desrespeito ao entregar na Assembleia Legislativa uma anteproposta de Plano e Orçamento da Região para 2021 sem os pareceres prévios dos Conselhos de Ilha nem do Conselho Económico e Social dos Açores, pela falta de humildade democrática em ler e ouvir a oposição, pela falta de transparência na intervenção governativa quando se apresentam erratas atrás de erratas em documentos para os quais se pressupõe a maior atenção, o maior rigor e exigências possíveis, bem como quando se deixa de transmitir publicamente e claramente à população o que pensa e decide este governo.
Muitos cidadãos perguntam onde está o Presidente...
Estas são situações que contrastam com o modo como este governo se apresentou.
Passaram mais de 100 dias e longe já vai o tempo em que este governo se propôs a "dialogar e ouvir para governar melhor" como uma "atitude constante e diferente de governar", em que afirmou que o seu projeto era de "democracia participativa", em que assumiu um "compromisso com cada ilha" e onde "todas as ilhas são importantes", em que "todos os açorianos contam"...
São situações que são próprias de quem pretendia e pretende governar a todo o custo.
Citando o Padre António Vieira no sermão da terceira quarta-feira da Quaresma:
"Terrível palavra é um non. Não tem direito, nem avesso; por qualquer lado que a tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, sempre é non. Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela para que não o mordesse, disse-lhe Deus que a tomasse ao revés e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha. O non não é assim: por qualquer parte que o tomeis sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança que é o último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há corretivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que confeiteis um cão, sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doureis, sempre é de feno."
Efetivamente terrível palavra é um "non" e a história da nossa Região escreve-se, atualmente, com vários "non"... Non ou a Vã Glória de Mandar.