Sim, refiro-me a Sua Excelência o Presidente da República. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, impossibilitado constitucionalmente de concorrer a um terceiro mandato consecutivo, regressou em força aos tempos de comentador. O Presidente da República tem os poderes estabelecidos na Constituição da República Portuguesa. O comentador tem poderes ilimitados. Rege-se apenas pela sua consciência, princípios e valores e emite opinião sobre tudo o que lhe apetecer. Ora, o Presidente Marcelo, principalmente, desde a posse para o segundo mandato, que decidiu vestir (já sem qualquer disfarce) a fatiota de comentador. Marcelo tem um objetivo simples. E o prazo de 5 anos para o executar. Todos sabemos do que se trata, ainda que vários altos responsáveis “assobiem para o lado”. Vamos, então, a factos. Ora vejam:
I. Discurso de posse
Marcelo, no seu discurso de posse, decidiu não só fixar critérios de desconfinamento para possibilitar um “desconfinamento com sensatez e sucesso”, como também estabelecer prioridades políticas da governação nos próximos anos (como por exemplo, “estabilização do Serviço Nacional de Saúde” ou “melhores medidas para a sobrevivência imediata do tecido social e empresarial”). Ora, o Presidente sabe que, nos termos da Constituição, é o Governo que é “o órgão de condução da política geral do País”. O Presidente até jurou “cumprir a Constituição”. Mas o comentador não…
II. Conselho de Estado “setorial”
“O Conselho de Estado, reunido sob a presidência de Sua Excelência o Presidente da República, hoje, dia 19 de março de 2021, em sistema de videoconferência, no Palácio de Belém, debateu os projetos de propostas de alteração à Lei de Defesa Nacional e à Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA). Participou na reunião o Senhor Ministro da Defesa Nacional, Prof. Doutor João Cravinho, que apresentou uma exposição sobre os mencionados projetos.” Assim mesmo constava, sob a forma de nota informativa, na página da Presidência da República. Acontece que nos termos da lei, o Conselho de Estado só deve reunir para aconselhar o Presidente no exercício das suas funções. Ora, como bem sabe o Sr. Presidente, a política de defesa e de gestão das forças armadas é da competência exclusiva do Governo. Acresce que o Presidente não tem competência no exercício do poder legislativo. Mas o comentador, com agenda política, tem…
III. Um travão sui generis
Todos os agentes políticos, com ou sem formação jurídico-económica, sabem o que significa a chamada “norma-travão”. O Presidente Marcelo até sabe qual o n.º e o artigo da Constituição onde consta vertido esse “princípio”. Isso mesmo consta na fundamentação da decisão que foi tornada pública pela Presidência, onde é referido (na 3.ª razão) o seguinte: “A Constituição proíbe, no seu artigo 167.º, n.º 2, que possam ser apresentadas, pelos deputados, iniciativas que impliquem aumento de despesas ou redução de receitas, em desconformidade com o Orçamento do Estado em vigor para o respetivo ano. Só o Governo pode fazê-lo, como garantia de que a Assembleia da República não desfigura o Orçamento que ela própria aprovou, criando problemas à sua gestão pelo Governo.” Ora bem, e perante iniciativas que violam grosseiramente este preceito constitucional, qual foi a decisão do Presidente? Promulgou as (3) iniciativas em causa, referindo, entre outros “argumentos”, existir uma “interpretação conforme à Constituição”; e (pasme-se!) dispor “o Governo do poder de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas agora promulgados”. Eis um comentador… sem travões!