A passada sexta-feira, dia 10 de abril de 2021, ficará na história da justiça portuguesa. Infelizmente, não por bons motivos. Em bom rigor, todo o processo judicial denominado “Operação Marquês” é a antítese dos valores e princípios que deviam nortear o pilar da Justiça num Estado de Direito Democrático. E não me refiro, por respeito pelas regras deontológicas inerentes à minha cédula profissional, à decisão plasmada na “súmula” do extenso despacho de pronúncia. A questão, para mim, está a montante. Os megaprocessos são contrários à boa administração e aplicação da justiça. Um processo com mais de 50 mil páginas (incluindo apensos, anexos, etc…) não é humanamente trabalhável. Um processo, com esta dimensão e complexidade, tem mesmo de se arrastar penosamente durante anos e anos. Neste caso, estamos a falar de um processo que se iniciou em 2014 e que, passados 7 anos, ainda não tem julgamento à vista. Um processo cuja mediatização e constantes fugas seletivas de informação não são compatíveis com a sobriedade e até decoro que se exige a qualquer processo judicial. Um processo em que alegadamente está em causa milhões e milhões de euros que circularam entre várias pessoas, vários países, vários continentes, e que na origem, entende o Ministério Público, esteve a prática de vários crimes. A teia, alegadamente aqui em causa, era de uma complexidade extrema. “Teia” essa que foi entregue a um procurador do Ministério Público para efeitos de coordenação de uma gigantesca investigação. A missão, uns anos mais tarde, ficou concluída através de uma acusação com mais de 4 mil páginas, validada pelo sistema judicial que, entre outras diligências, se pronunciou sobre inúmeros recursos e incidentes dos mandatários dos arguidos. A referida acusação foi deduzida contra 28 arguidos (19 pessoas singulares e 9 pessoas coletivas), aos quais eram imputados a prática de 189 crimes. Corrupção ativa e passiva de titular de cargo político; branqueamento de capitais; abuso de confiança; fraude fiscal e falsificação de documento. É este o “cardápio” de crimes que o Ministério Público entendeu que configurava os atos e práticas objeto da investigação e que alegadamente foram apurados na chamada fase de inquérito. Ora, face aos crimes imputados, para quem tem um domínio razoável do ramo do direito penal e processo penal, ressaltava desde sempre uma certa inquietude quanto à solidez da prova inerente a tais acusações, mormente quanto ao crime de corrupção. E julgo que ninguém, ou quase ninguém, tinha em mente a resolução pela via da prescrição. Até porque a doutrina, e também a jurisprudência, não se rege (e ainda bem) por uma única forma ou método de contagem do tempo para efeitos de prescrição. Esta será uma, entre várias, das matérias a ser apreciada pelos tribunais superiores face ao recurso já anunciado pelo Ministério Público ao despacho de pronúncia. Despacho que, saliente-se, tem um total de 6.728 páginas, mais duas mil que a decisão do Ministério Público. Este é mais um dado que torna este processo muito especial. Não é normal esta “ultrapassagem” de carateres. Tal como não é normal a forma, entre o professoral e a sátira, como muitas coisas foram escritas/lidas na súmula do despacho. É verdade que também não é normal termos um ex Primeiro-Ministro acusado da prática de crimes muito graves. Mas temos de voltar à normalidade. Urge uma refundação de parte do sistema judicial. Preferencialmente, onde impere a justiça feita atempadamente nos tribunais e não para as televisões!