Resolvi deambular pela nossa cidade. Fui procurar os mesmos pontos de referência de idêntico périplo realizado em finais de 2017, aquando da eleição para vogal da Assembleia Municipal. Na altura, a ideia era melhorar o meu conhecimento da malha urbana, pois pretendia ter naquele fórum autárquico uma postura positiva e construtiva, juntando aos compromissos políticos uma perspetiva de cidadania esclarecida e participativa.
Agora, nunca tive como intenção fazer qualquer comparação com o que encontrei três anos antes, pois vivemos há mais de um ano sob graves restrições pandémicas e económicas, sendo também certo que não acalentava a esperança de encontrar grandes mudanças, pois já repousa nas memórias os tempos em que o Governo Regional e a Câmara Municipal disputavam a cidade com a realização de grandes investimentos públicos, chegando mesmo alguns a serem replicados em escalas diferentes.
Mas, a verdade é que aquilo que observei nestes últimos dias na nossa cidade é quase assustador, eu diria mesmo devastador, ficando a dúvida de como foi possível regredirmos tanto no último ano, quando tínhamos uma cidade que fervilhava de vida e o turismo nos parecia uma aposta certa e duradoira!
Se nos aventurarmos a descrever Ponta Delgada, podemos alvitrar que ela é neste momento sinónimo de desolação, de uma quase derrota social, comercial, turística e até urbanística, tal o vazio de pessoas e movimento, em que algumas ruas agora nos parecem mais largas, enquanto outras, antes cheias de carros e de gentes, não dava para perceber que eram tão esconsas e indistintas. É caso para dizer que a crise económica, social e cultural que sobreveio à crise sanitária levou-nos quase tudo, restando-nos a resiliência e a esperança de sermos capazes de reverter esta escalada de degradação.
A cidade está triste: os poucos transeuntes que vejo andam com passos desalentados, sob a ditadura da etiqueta da máscara, da distância social e dos cumprimentos de cotovelo; transportam saquinhos de compras leves como para ajudar a aligeirar o passo, tomam cafés em postigos e encomendam almoços take away em restaurantes que mostram interiores vazios e de penumbra; aqui e ali surge uma inoportuna indigência, talvez moderna, porque mal-educada e pouco agradecida!
A cidade está sem cor: as pinturas dos hotéis esbatem-se e as alas de casas de habitação - mas pouco habitadas - estão surradas, descontinuadas por casas velhas e abandonadas, algumas com telhados ervados, portas e janelas trancadas e telhas debruçadas ameaçando cair para a rua; mau estado que por vezes é enfeitado por placas de “Vende-se”, como se os tempos fossem de comprar o que quer que seja. Aqui e ali ouve-se o martelar de algumas reabilitações “Reviva”, poucas, com operários que descansam o almoço com as pernas estendidas nos passeios. Um direito conquistado sobre a urbe!
Na cidade o tempo parou: antigas lojas, com vitrinas velhas e sujas, esperam novos donos, enquanto outras desesperam pelos turistas que tardam em chegar. Em algumas, proprietários e empregados sorriem como que a pedir desculpa de não venderem nada, ou de terem para venda coisas fora de moda, enquanto outros, ficam especados de semblante carregado como a dizer que têm fornecedores e bancos a espreme-los!
O Relógio da Matriz também parou. Está confinado! Nas praças da cidade, praças de táxis exasperam! As atividades culturais há muito que deixaram a cidade. Se alguma coisa podemos tirar de bom da pandemia, é percebermos o quanta falta fazem todos aqueles que fazem acontecer cultura. Já desesperamos para que Ponta Delgada seja eleita Capital Europeia da Cultura 2027...
Numa altura em que se começa a preparar as próximas eleições autárquicas, seria interessante que surgissem propostas capazes de alavancar um novo processo de regeneração e mudança. A cidade, agradece continuidades … mas precisa urgentemente de ruturas!