Opinião

Diagnosticada aos Açores a Síndrome do Imperador

É hoje, para mim, bem claro que governos formados por maiorias parlamentares à posteriori das eleições, ou seja, depois e só depois do povo ter sido chamado a pronunciar-se através do seu voto, não é mais nem menos do que um golpe baixo à democracia. Bem sei que é legal, mas nem pouco mais ou menos me parece encerrar qualquer espírito de justiça para com os eleitores. Não está correto. Ao povo não poderia ser usurpado o direito a validar um governo composto por inúmeros partidos políticos, já para me não prender com a ignomínia, a infâmia de se dizer uma coisa para obter o voto do cidadão e, no dia seguinte, proceder de modo radicalmente contrário. São inúmeros os motivos para que tal não pudesse acontecer. Desde logo, e como atrás afirmei, porque o eleitor tem o inquestionável direito de tudo saber no dia em que está a depositar a sua confiança em determinado líder, em determinado candidato no qual se revê. Se os partidos pretendem governar juntos que o digam, mas que o digam a tempo de o povo votar nessa mesma ideia ou no seu contrário. Tal como agora sucede, a situação em que a governação política açoriana se encontra mergulhada é precisamente o oposto. Os Açores encontram-se a ser governados pelo avesso, como se todos tivéssemos escolhido um determinado fato para oferecer a alguém e, depois, nos deparamos com a situação desse alguém o usar sim, mas efetivamente virado ao contrário, completamente do avesso. Quem afinal governa a Região Autónoma dos Açores é de todo o oposto daquilo que o povo escolheu para o fazer. Partidos com um único deputado, dois ou três, são no fundo quem tudo determinam, quem tudo decide. O partido político ao qual pertence o atual Presidente da Região, é afinal o segundo que menos manda, logo seguido do partido mais votado nas eleições legislativas, sendo então e precisamente o primeiro a absolutamente nada mandar. Ou seja, pela lista do número de assentos na Assembleia Legislativa da Região já se poderá compreender, na plenitude, a lógica do mais poderoso para o menor - inverta-se a lista, e eis a resposta. E é então esta a democracia que orgulhosamente conquistámos há quarenta e sete anos. O povo é, afinal, quem menos ordena. Presas todas as decisões governativas por um único voto, tudo aquilo que a Iniciativa Liberal desejar muito, por exemplo, ou de outro modo, tudo aquilo que o único deputado da Iniciativa Liberal desejar muito, estará então garantido. E é tão simples o jogo que ali se joga: se o Senhor Presidente alguma vez se aventurar em dizer não, se alguma vez o Senhor Presidente sonhar em soltar a sua virilidade e, se fazendo de Presidente, tomar decisões opostas aos devaneios dos poderosos pequenos partidos, arrisca-se mesmo a, no dia seguinte, se entreter sentadinho em seu sofázinho caseiro, lendo e relendo as parangonas jornalísticas da desventura de um suicídio político. E é isto. Quarenta e sete anos volvidos, é esta a terra da fraternidade, mas lamentavelmente não a terra onde o povo mais ordena.