Opinião

‘errare humanum est’ ou ‘tu quoque, Brute, fili mi?’

Foi com esta locução latina, ainda que pronunciada de forma menos perfeita, que o Presidente do Governo Regional pretendeu, numa visita apaziguadora às instalações deste Jornal que gentilmente me acolhe há uns meses, colocar uma pedra sobre o assunto que marcou a agenda pública nos últimos dias. Bolieiro, tendo a perfeita noção que não podia usar a tática habitual, decidiu aparecer e dizer de sua justiça. Ora, como a explicação não era fácil de dar sem desautorizar o Presidente da Comissão Especial de Acompanhamento da Luta Contra a Pandemia de Covid-19, Bolieiro lembrou-se que a melhor forma de resolver a questão seria separar águas. Traduzindo, a solução teria de passar por salvar o “especialista” e criticar o “comunicador”. E assim foi. Mas, isto na linguagem habitualmente erudita do Dr. Bolieiro, teria de ser feito com algum requinte. Vai daí, com incrível simbolismo, recorreu ao latim. Uma língua, como todos sabemos, morta. E assim transformou um ato condenável, que nos remetia para tempos que ninguém quer recuperar, onde havia uma imprensa de fachada que seguia uma cartilha ditada pelo regime, num “errar é próprio do homem”. Mas dito, ou pelo menos tentado, em latim. E assim se “matou o comunicador”, na expectativa de ainda se salvar o “especialista” e, consequentemente, não fazer ruir as sempre tremidas bases de apoio do XIII Governo dos Açores. Mas voltemos às declarações do Dr. Bolieiro. Tivemos direito a elogios ao “Dr. Tato, o epidemiologista brilhante” e, simultaneamente, a um puxão de orelhas público ao “Dr. Tato, o comunicador… desastrado!” Citando o Dr. Bolieiro, tal como este muito aprecia, foi referido o seguinte: “Não há qualquer sinal que contrarie a confiança na qualidade de perito do Dr. Tato Borges e na sua presidência da Comissão Especial de Acompanhamento da Luta contra a Pandemia”. Aqui está a destrinça, à la Bolieiro, do lado bom do Dr. Tato. Para logo de seguida, e volto a citar, referir o seguinte: “Se me perguntar se estes foram casos felizes de intervenção, não, claro que não.” E continuou dizendo: “estou convencido que foram momentos não felizes que o Dr. Tato Borges reconhecerá e reconhece”. E aqui ficou espelhado o lado mau, através do recurso a uma expressão eufemística (“momentos não felizes”), do Dr. Tato. A terminar, como espécie de extrema unção ao “comunicador”, ainda repetiu a “separação dos Tatos” dizendo “isso [a censura a um título de uma notícia de um jornal que vai a caminho de 200 anos de existência] não vem colidir com a sua credibilidade e o seu prestígio profissional, aliás de dimensão nacional em matéria de saúde pública.” E, por forma a não deixar qualquer ponta solta, Bolieiro disse-nos que “fez questão de homenagear pessoal e institucionalmente, em nome do Governo, a credibilidade e a excelência deste órgão de comunicação social centenário” e que “valoriza muito a liberdade de imprensa, a independência dos órgãos de comunicação social e dos jornalistas e o papel que desenvolvem na formação da opinião pública e na informação, mas também enquanto verdadeiros pedagogos intelectualmente valorosos no questionamento do estado da sociedade.” Ufa… Percebido, Dr. Tato? Ou melhor, recorrendo ao latim, é caso para o Dr. Tato responder, antes do último suspiro do “comunicador”, “tu quoque, Brute, fili mi?”