Opinião

Falta de Cidadania e Tolerância

Os direitos, liberdades e garantias de qualquer cidadão encontram-se previstos na Constituição da República Portuguesa, bem como a objeção de consciência nos termos da lei.
Por estes dias, foi novamente notícia nos órgãos de comunicação social os dois irmãos de Famalicão que não transitaram de ano escolar por falta de assiduidade na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Esta é uma situação que já ocorreu no ano anterior, em que os alunos em questão nunca frequentaram as aulas de Cidadania e Desenvolvimento porque os pais defendem que cabe à família educar os filhos em áreas como por exemplo, a sexualidade.
Os alunos a frequentarem o 7.º e o 9.º ano de escolaridade, com boas notas a todas as outras disciplinas, veem assim a sua progressão colocada em causa por causa das faltas a esta disciplina que, nos moldes atuais, é de frequência obrigatória.
A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento é uma disciplina autónoma, obrigatória, no segundo e terceiro ciclo (5.º ao 9.º ano) sendo que no primeiro ciclo do ensino básico (1.º ao 4.º ano) e no secundário (10.º ao 12.º) as áreas lecionadas são abordadas de uma forma transversal nas diferentes disciplinas.
Entre as áreas lecionadas na referida disciplina estão direitos humanos, igualdade de género, interculturalidade (diversidade cultural e religiosa), desenvolvimento sustentável, educação ambiental e saúde - que fazem parte de um primeiro grupo de temas a incluir em todos os níveis de escolaridade - sexualidade, media, instituições e participação democrática, literacia financeira e educação para o consumo, segurança rodoviária e risco - que fazem parte de um segundo grupo de temas a incluir em dois ciclos de ensino - e finalmente empreendedorismo, defesa e paz, bem-estar animal e voluntariado - que fazem parte de um terceiro grupo de temas a trabalhar num ano. É da responsabilidade de cada escola definir o que irá desenvolver em cada ano de escolaridade.
Contudo, os pais destes dois alunos entendem que áreas como a educação sexual e de género possuem um cariz moral e, por isso, no seu entendimento não cabe à escola ensinar nada sobre isso aos seus filhos, pese embora no referencial destas áreas os objetivos sejam "respeitar e aceitar a diversidade na sexualidade e na orientação sexual", "desenvolver uma atitude positiva no que respeita à igualdade de género" ou "distinguir os diferentes métodos contracetivos".
Deste modo, os pais que não concordam que os seus filhos frequentem aulas em que estas áreas sejam lecionadas, tal como no ano passado, interpuseram uma providência cautelar. Na altura o tribunal decidiu permitir que os alunos avançassem nas disciplinas em que tinha tido aproveitamento até nova deliberação por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que no início deste ano considerou que o interesse das crianças (em avançar nos estudos nas outras disciplinas) deveria prevalecer sobre o cumprimento da legalidade interposta pelo currículo escolar, sendo que o Ministério da Educação recorreu e o caso continua, não tendo sido, no entanto, acolhida a alegação do direito à objeção à consciência invocada pelos pais por parte do tribunal.
Já este ano, os alunos em questão continuaram a não frequentar as aulas por imposição dos pais, recusando as propostas alternativas apresentadas pela escola que, entre outras, passavam pela realização de trabalhos escritos.
Estas crianças, vêem-se assim, no meio de um diferendo entre os pais e a escola/ Ministério da Educação.
De um lado, não se concorda com o currículo e a sua obrigatoriedade, do outro, a obrigatoriedade e a não frequência resultam no chumbo dos alunos numa medida que abrange todos de igual forma.
Até que ponto o direito individual se deve sobrepor ao coletivo e vice-versa?
Até que ponto o direito individual se deve sobrepor aos deveres coletivos e vice-versa?
Até que ponto o que se ensina na escola se sobrepõe ao que se ensina em casa e vice-versa?
Igualdade, individualidade, coletividade... direitos, liberdades e garantias. Até que ponto os queremos ou defendemos para uns em detrimento de outros ou de um todo?
O busílis da questão residirá na tolerância ou na falta dela.
Falta de cidadania e de tolerância.
Voltamos para a escola para aprender?