Opinião

Senhor Feliz, o Senhor Contente e a vergonha alheia

Em 1975, Nicolau Breyner lançou um famoso programa televisivo – Nicolau no País das Maravilhas – que incluía uma rábula política que se tornou muito popular, interpretada pelo próprio Nicolau e por Herman José. Esta rábula é intemporal e, por isso, de tempos a tempos, mesmo para quem nasceu meia dúzia de anos após a versão original, serve na perfeição para ilustrar determinados momentos da nossa vida política. Há uns anos lembro-me de ler um belo texto de José António Saraiva, inspirado na rábula ora recuperada, para descrever a relação de António Costa com Marcelo Rebelo de Sousa. Por estes dias, ao assistir como habitualmente ao Telejornal da RTP/Açores, fiquei incrédulo com um direto do Palácio de Sant´Ana. O Presidente do PSD/Açores, usando a casa de todos os Açorianos, tinha acabado a reunião partidária com o Presidente do Chega (André Ventura). O tema da reunião foi a crise no Chega Açores e os respetivos efeitos no acordo de incidência parlamentar assinado entre o PSD/A e o Chega. A data da reunião, exigida por Ventura, fez com que Bolieiro abandonasse os trabalhos parlamentares a decorrer na Horta e viesse à pressa para Ponta Delgada. Tudo isto já revestia contornos lamentáveis. Mas ainda ia piorar. As poses e discursos à imprensa pós reunião partidária no Palácio de Sant´Ana são uma página negra na política Açoriana. Vai daí, nauseado que fiquei, lembrei-me da “velha rábula”. A famosa rábula, que dava pelo nome de “Senhor Feliz, Senhor Contente”, era, como todos se devem recordar, cantada a duas vozes e começava (mais palavra, menos palavra) sempre assim: 
“Como passa, Senhor Contente? 
Como está, Senhor Feliz? 
Diga à gente, diga à gente
Como vai este país.”
Até a referência ao país, ainda que na génese esteja a política regional, é apropriada. Ventura, como todos sabem, está numa espécie de tubo de ensaio. A Região é apenas um meio para o fim ambicionado. Infelizmente, mesmo reduzido a 1 Deputado, estão a deixar o “menino” divertir-se. Ventura, com a complacência e conivência de Bolieiro, transformou a Região num mega recreio. Por isso, na mais recente viagem aos Açores, Ventura, numa primeira conferência de imprensa, onde retirou a confiança política a Carlos Furtado (“presidente” do Chega-Açores), criticou a “excessiva subserviência do partido para com o PSD na Região”. Dois dias depois, qual miúdo dono da bola, veio dizer, lado a lado com Bolieiro, que “o Chega preza a estabilidade que se conseguiu”; que “não é vontade do Chega, nem do seu presidente, nem da estrutura regional, agora em reorganização, que haja lugar a quaisquer eleições antecipadas”; que “ficou tranquilizado” com as respostas dadas por Bolieiro. E o que disse Bolieiro? De sorriso no rosto, certamente para contrastar com a vergonha com que eu estava a assistir,  disse ter tomado nota “com satisfação” de que o Chega irá “garantir o cumprimento dos compromissos” e lembrou que o acordo de incidência parlamentar foi “acordado num diálogo direto” com os deputados do partido e com a direção nacional de Ventura. E terminou, sem pestanejar, dizendo o seguinte: “Obviamente que estabilidade é tranquilizadora. Eu estive sempre estabilizado, porque conheço as pessoas e conheço o rigor na honra da palavra dada”. Confesso que é raro ficar sem palavras. Mas aconteceu…