Esta semana lembrei-me do odiável Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, que não se poupou a esforços para convencer os alemães de “raça pura” de que os judeus dominariam e o povo alemão seria condenado a viver na miséria, se a Alemanha perdesse a guerra. E a seguir foi a tragédia que conhecemos. Uma vergonha para a humanidade. Um terror insuportável para os judeus na Europa.
Na nossa Assembleia Legislativa, segurando o governo da coligação por um fio que manobra a bel prazer do seu líder nacional, temos um deputado que acha que os pobres não devem ser apoiados quando decidem ter filhos e que “combater o despovoamento é combater importar pobres”.
Este senhor acha que os beneficiários do Rendimento Social de Inserção são todos uns malandros, uns preguiçosos “que não trabalham e têm muitos filhos” e que há, por isso, “um desequilíbrio na sociedade”. E quer equilibrar a sociedade fazendo nascer mais crianças na classe média e menos entre os pobres.
Para este deputado, não é a pobreza que, ao colocar em crise os direitos humanos, põe em causa a dignidade da pessoa. O que é indigno é beneficiar de prestações sociais que, ao redistribuir a riqueza, amenizam a situação daqueles que, por serem pobres, estão em risco de exclusão, são mais vulneráveis e não têm as mesmas oportunidades.
Para este senhor, não importa que muitos daqueles beneficiários sejam crianças; ou que outros sejam pessoas com rendimentos do trabalho que não chegam para o sustento da família.
Num mundo dominado pelas fake news e pelo deep fake, em que as pessoas deixaram de ler jornais para se informar nas redes sociais; em que muitos órgãos de comunicação social transmitem “notícias” sem averiguação ou contraditório, é fácil denegrir os homens, as mulheres e as crianças que vivem em situação de pobreza.
E parece que o deputado da extrema direita xenófoba acha que encontrou a solução para a pobreza estrutural: se cada vez nascerem menos pobres, um dia, eventualmente, eles deixarão de existir. Porquê preocupar-nos então, se basta deixar a pobreza fazer o seu trabalho?
O deputado não percebe porque é que a sua proposta para apoio à natalidade é inconstitucional, porque ele não sabe o que é princípio da igualdade. Para ele, só se está entre iguais quando se trata de, pelo menos, classe média.
Mais grave do que o discurso do deputado, é a postura da coligação, a quem não se ouviu uma única palavra de condenação. Pelo contrário, prosseguiram negociações com o Governo, das quais, aliás, não sabemos nada. Sabemos sim que o dito deputado não apresentou propostas de alteração. À hora a que escrevo, as propostas apresentadas pelos demais partidos ainda não estão disponíveis na página da ALRAA em linha.
Logo saberemos quem e em que termos serviu de barriga de aluguer para tamanha afronta. E com um jeitinho daqui e outro dali, de modo a que extrema direita e os que nela se suportam possam, todos, dizer que venceram, a proposta será aprovada, como o serão o Plano e o Orçamento.
Se dúvidas tínhamos, estes acontecimentos demonstram, à saciedade, que há muito que o PSD deixou de ser um partido de matriz social democrata e com ela abriu mão de princípios inalienáveis, sem os quais não há Estado de Direito.
Quanto à medida em causa, um apoio de € 1.500 por cada criança que nasça, da classe média para cima, pouco ou nada influenciará. As medidas de incentivo à natalidade, para serem eficazes, devem abranger as várias dimensões da parentalidade e do desenvolvimento da criança e prolongar-se até ao fim da sua educação e formação. E é preciso ter paciência e aguardar os resultados, que demoram mais do que o tempo de uma legislatura para se fazerem sentir.
Entretanto, ficamos à espera da remodelação que o deputado da extrema direita anunciou, “para março ou abril”. Tenebroso.