Opinião

No ano da morte de Jorge Sampaio

"A solidariedade não é facultativa, é um dever."

Jorge Sampaio

Noite. O silêncio é tela de um som apenas - as ondas, suaves, de um oceano que sempre vai desmaiando no areal. Morrendo a meus pés, descalços. Por opção, descalços. Outros, por outras praias do mundo, exaustos, assustados, fugidos. Descalços, sim, também, porém na vida e não apenas seus pés, por opção. Sem direito. Sem lugar. Sem paz. Descalços. No ano da morte do primeiro alto representante da ONU para o diálogo das civilizações. No ano da morte do mentor da Plataforma Global para os Estudantes Sírios. No ano da morte (do muito nosso) e eterno presidente Jorge Sampaio. Que agarremos, ao menos, sua luta pela liberdade, democracia e direitos humanos. Que ao menos seu legado não morra. E para que não mais dê à costa, da Turquia, ou de um qualquer outro país, um menino como o Sírio, ou de uma qualquer outra nacionalidade.

Um ano mais, o que foi, um ano mais, o que espreita. O ano que finda, fá-lo com Jorge Sampaio. De pandemia, mais um. Argumento, também mais um, para que o fosso aumente. O da desigualdade. Ano afinal em que, entre os países mais ricos, se discute e avança para uma terceira e uma quarta dose de vacinação. Por opção, claro está. Ano, o mesmo em que a grande maioria dos países africanos não tem, afinal, um universal acesso à primeira dose. Não por opção, também claro está. Ouso até perguntar se, um pouquinho mais de solidariedade, quem sabe, não teria já dado mais frutos neste extenuante combate à COVID-19?... Mas isto sou eu, a pensar alto, e apenas eu, eu no ano da morte de Jorge Sampaio.

"25 de abril, sempre!". Ano que morre, outro ano que nasce. Com ele a esperança, renovada, para todos. Igual, ano após ano, o mesmo. E afinal quem nada tem, nem tempo, é no momento que pensa, no imediato, no próximo, já. Longe demais, está o próximo ano.

"Há mais vida para além do Orçamento. A economia é mais do que finanças públicas" - lembrou-nos.

Que seu eco se propague eternamente.