Opinião

As explicações que se impõem!

O Parecer da Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas sobre a Conta da Região Autónoma dos Açores relativa ao ano 2020, mais concretamente a Ação n.º 21-D219 – Dívida Regional e Outras Responsabilidades,  faz referência,  na página 39[1], ao seguinte: “Em 2020, a Ilhas de Valor, S.A., suportou encargos no montante de 503,4 mil euros, em resultado da entrada em incumprimento da Angrasol – Hotelaria, Turismo e Comércio, S.A., perante a instituição de crédito junto da qual tinha contraído um financiamento de 5 milhões de euros em 2010, operação que beneficiou de um aval prestado pela referida empresa pública regional.

A verba em causa diz respeito a duas prestações previstas no plano de reembolso do mencionado financiamento que a Ilhas de Valor, S.A., na qualidade de avalista, regularizou em outubro de 2020.

A concessão daquele aval teve subjacente a prestação de uma contragarantia por parte da entidade beneficiária, que para o efeito constituiu a favor da Ilhas de Valor, S.A., hipoteca sobre os prédios urbanos de que era proprietária, nos quais edificou o Angra Marina Hotel. Desconhece-se, contudo, se a Ilhas de Valor, S.A., já encetou diligências no sentido de ser ressarcida da referida importância.”

Na sessão plenária de maio, da Assembleia Legislativa, que terminou na passada sexta-feira, no âmbito de um debate sobre finanças públicas, e após ter referido o contexto em que surgiu a prestação dessa garantia, tive a oportunidade de colocar uma questão ao Governo Regional sobre se a empresa Ilhas de Valor, SA já havia executado a hipoteca.

Na resposta, e após outras considerações, o Governo Regional afirmou que eu teria escondido a prestação dessa garantia por causa da prescrição de um qualquer procedimento judicial, levantou a questão de ter sido prestado um aval a esta empresa em concreto e não a outras, e lançou sobre mim a suspeição de beneficiar uma empresa em particular em detrimento de outras.

Bem sei que, para alguns, a parte que interessa neste assunto não é esclarecer, mas sim, como foi feito, insinuar, lançar suspeições e difamar.

Para aqueles que, porventura, tenham interesse em conhecer o assunto, aqui ficam as explicações.

  1. O assunto remonta ao período em que exerci as funções de Secretário Regional da Economia do X Governo Regional dos Açores. Nesse período estava em funcionamento o SIDER – Sistema de Incentivos ao Desenvolvimento Regional dos Açores[2], o qual, nos termos da legislação regional e comunitária, previa a concessão de incentivos financeiros a projetos de investimento privado. O incentivo ao investimento privado era atribuído com duas componentes: uma não reembolsável (fundo perdido) e outra reembolsável (a devolver pelo promotor).
  2. O artigo 7, n.º 3 do SIDER, na redação vigente em início de 2009, determinava que “o incentivo reembolsável pode ser concedido através de instituições de crédito, nos termos definidos em protocolos a celebrar para o efeito com o departamento do Governo Regional com competência em matéria de economia”; ou seja, as componentes reembolsáveis eram avançadas por uma instituição bancária, com quem os promotores celebravam um empréstimo, sendo os juros suportados pela Região.
  3. O promotor Angrasol – Hotelaria, Turismo e Comércio, S.A viu aprovado, em 3 de abril de 2009, o seu projeto de investimento para a construção de um hotel de 5 estrelas, na cidade de Angra do Heroísmo, zona do Cantagalo, num investimento na ordem dos 21 milhões de euros.
  4. Nos termos da legislação em vigor, e da análise técnica feita ao projeto, foi atribuído um incentivo não reembolsável de 5 milhões de euros e um incentivo reembolsável de outros 5 milhões de euros.
  5. Quando, à semelhança de qualquer outro promotor, a Angrasol contactou com uma instituição de crédito em concreto para a disponibilização dos 5 milhões de euros referentes à componente reembolsável, a mesma afirmou não estar disponível para contratar com ela esse financiamento e disponibilizar esse montante.
  6. Na sequência disso, o promotor contactou o Governo Regional afirmando que, não sendo o referido montante disponibilizado por uma instituição de crédito, deveria ser avançado pelo Governo Regional, entidade que se tinha comprometido, pelo contrato de concessão de incentivos ao investimento, a apoiar o investimento.
  7. A questão, pelo menos na vigência do SIDER, era nova e, para esclarecê-la com segurança do ponto de vista jurídico, depois de muita discussão e reuniões com o promotor, foi contactado um escritório de advogados – no caso concreto, o escritório Paz Ferreira e Associados -, a quem, se bem me recordo, a questão colocada foi no sentido de saber se, face a esta situação, a Região poderia, como contrapartida da entrega da componente reembolsável de um incentivo, exigir ao promotor a prestação de uma garantia. A resposta foi negativa, porque, à luz da legislação existente à data da assinatura do contrato de concessão de incentivos, não era possível exigir uma garantia ao promotor para lhe entregar a componente reembolsável do incentivo.
  8. Refiro-me à questão da legislação existente à data da assinatura do contrato de concessão de incentivo porque, logo quando o promotor abordou pela primeira vez a Secretaria Regional da Economia, houve a perceção clara da necessidade de alterar a legislação para evitar que estas situações se repetissem. Foi isso que foi feito com a segunda alteração ao Decreto Legislativo Regional do SIDER, ou seja, com o Decreto Legislativo Regional n.º 10/2010/A, de 16 de março, aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
  9. No mesmo parecer do escritório do Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira, e como forma de evitar que a Região fosse obrigada judicialmente a entregar, sem mais, os 5 milhões de euros da componente reembolsável, é analisada a possibilidade de, fazendo intervir uma entidade do setor público empresarial, neste caso a Ilhas de Valor, SA, ser concedida uma garantia a uma instituição de crédito para disponibilizar o montante da componente reembolsável do incentivo. A resposta foi positiva, mas só se a Ilhas de Valor tivesse a seu favor uma contragarantia.
  10. Foi assim que foi feito: a Ilhas de Valor, SA deu o aval para que a Angrasol recebesse, mediante empréstimo bancário, os 5 milhões de euros da componente reembolsável do incentivo para a construção do hotel e, em contrapartida, a Angrasol constituiu a favor da Ilhas de Valor uma hipoteca no valor de, salvo erro, cerca de 20 milhões de euros.

Em suma: Porque razão foi concedido este aval pela Ilhas de Valor a uma empresa privada? Porque foi a forma de evitar que a Região fosse obrigada a entregar, diretamente, o montante de 5 milhões de euros, correspondente à componente reembolsável de um incentivo, sem qualquer tipo de garantia. 

Para conceder essa garantia, a Ilhas de Valor tem alguma segurança de que vai ser paga? A Ilhas de Valor só deu o aval de 5 milhões de euros mediante a prévia constituição, pela Angrasol, de uma hipoteca a seu favor do investimento realizado que ascende a cerca de 20 milhões de euros.

A concessão desse aval colocou a Angrasol numa situação de benefício em relação a outros promotores? Não, porque não é usual a exigência ao promotor do investimento privado a constituição de uma hipoteca sobre o investimento aprovado. Para além disso, o aval não se refere a um qualquer negócio privado dessa empresa, mas apenas surge no âmbito do sistema de incentivos SIDER e ao abrigo da lei. Se a Angrasol não pagar, a Ilhas de Valor perde os 5 milhões de euros? Não. O que tem de fazer é executar a hipoteca de cerca de 20 milhões de euros que tem a seu favor. É de salientar a este propósito que essa hipoteca tem prioridade sobre outras eventuais que tenham sido constituídas sobre o mesmo imóvel.

Verificando-se que a Ilhas de Valor, na qualidade de avalista, já teve de assumir o pagamento de duas prestações em atraso, já foi executada a hipoteca? O que o Tribunal de Contas diz é que desconhece e aquilo que o atual Governo disse foi que acertou um pagamento em prestações com o promotor.

Houve ou há algum procedimento judicial relativo a este assunto em curso ou que já tenha prescrito? Que eu tenha conhecimento nunca houve nem há qualquer procedimento judicial. De resto, esta situação – sendo expressamente reportada pelo Tribunal de Contas na Conta da Região – não mereceu qualquer tipo de esclarecimento adicional ou procedimento de responsabilidade financeira.

Resumindo, a concessão do aval é conforme a lei, defende o erário público porque, caso contrário, teria sido disponibilizada a verba de 5 milhões de euros sem qualquer garantia de reembolso, e não constitui um benefício de uma empresa em particular porque exigiu a esta uma hipoteca sobre o investimento, num valor bem superior ao montante avalizado.

O senhor Secretário Regional das Finanças e o senhor Presidente do Governo sabem de toda esta explicação ou poderiam facilmente saber toda esta explicação? A resposta é sim. Quiseram saber? Pelos vistos, não.

Do comportamento de todos os envolvidos as Açorianas e os Açorianos retirem  as devidas conclusões...