Opinião

O Início da Integração Europeia

No fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, grande parte do continente europeu vivia uma destruição sem precedentes, com cidades em escombros, a população massacrada, a economia paralisada, as infraestruturas destruídas e com escassez de alimentos generalizada.

Os Estados Unidos convenceram-se que, ao contrário do que aconteceu depois da Grande Guerra, a sua segurança nacional obrigava a uma presença permanente na Europa do pós Segunda Guerra Mundial, por forma a promover a reconstrução europeia e a conter o poder da URSS.

Diversos incidentes na Europa convenceram os norte-americanos a proceder a uma viragem de fundo na sua Política Externa, nomeadamente a constatação da ambição expansionista da URSS nos países da Europa de Leste, nos Balcãs, na Grécia e na Turquia.

A Urgência de reconstruir a Europa levou o governo americano a anunciar, em 1947, o Plano Marshall, um pacote de ajuda financeira de 12.600 milhões de dólares (equivalente a cerca de 150.000 milhões em valores atuais) para ajudar a reconstruir a Europa e o Japão. O plano Marshall vigorou entre 1948 e 1952 e revelou-se decisivo para conter a influência soviética nos países europeus, com destaque para a Turquia, Grécia, Itália e França.

Para os americanos, a defesa da Europa Ocidental exigiria a criação de novas organizações internacionais para enquadrar a reconstrução europeia e promover a sua estabilidade e segurança.

É neste quadro que surge, em 1947, a antecessora da OCDE com a finalidade de gerir a execução do Plano Marshall e alicerçar a cooperação económica e financeira com a Europa. Em 1949 é formada a NATO, a arquitetura de defesa da Europa estruturada em torno do princípio da segurança coletiva. Os americanos mantêm substanciais meios militares no continente europeu. Nesse mesmo ano é criado o Conselho da Europa, organização dedicada à promoção da cooperação política e com uma agenda de defesa dos Direitos Humanos, da Liberdade e da Democracia. Estavam assim criadas as estruturas para promover a reconstrução da Europa em três áreas fundamentais: economia, defesa e política.

A criação do Conselho da Europa irá influenciar a reconciliação entre a França e a Alemanha, uma rivalidade histórica e hostil que remontava a 1871, data da unificação da Alemanha pela Prússia de Bismark.

É neste quadro que surge a chamada Declaração de Schuman que marcou a data que hoje comemoramos.

Robert Schuman, Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, profere, a 9 de Maio de 1950, um importante discurso, inspirado nas ideias do seu compatriota Jean Monnet, em que propõe que a França e a República Federal da Alemanha, a Alemanha ocidental, possam gerir em comum os seus recursos de carvão e as suas indústrias de aço, através de uma nova organização aberta a outros países da Europa. Monet tinha representado os Aliados em Washington durante o período da Guerra e acreditava na federação europeia, em 1950 era conselheiro do Primeiro-ministro francês René Pleven.

O efeito prático mais notório desse importante discurso surgiu em 1951, quando seis países da Europa ocidental França, República Federal da Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Itália e Luxemburgo assinaram em Paris o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que entrou em vigor em Julho de 1952 por um período de 50 anos. O Passo dado era impressionante. As principais economias industriais da Europa continental aceitavam criar uma entidade supranacional para gerir a economia do carvão e a sensível indústria do aço, alienando parte da sua soberania nacional para uma nova organização política.

No início da década de 1950, apesar do processo de apoio à reconstrução da Europa, as perspetivas quanto ao futuro eram incertas. A questão da segurança era um problema muito sério apesar do novo foco de hostilidade ser na península da Coreia.

Na Europa de leste a URSS mantinha uma superioridade militar esmagadora, com cerca de 30 divisões estacionadas a leste do Rio Reno. Os Aliados tinham apenas 10 e os EUA já não detinham o monopólio das armas nucleares, os soviéticos tinham deflagrado o seu primeiro engenho nuclear em finais de agosto de 1949 no deserto do Cazaquistão.

No quadro da NATO, os planos americanos defendiam o rearmamento da Alemanha ocidental como fundamental para a estruturação de uma política de dissuasão capaz de conter a URSS. Na França esse plano dos EUA era considerado quase como uma loucura. Paris não aceitava o rearmamento alemão.

Nessa altura, Jean Monet defendeu a criação de um exército europeu e de um Parlamento Europeu que seria o instrumento de controlo desse exército, evitando assim a criação de um comando militar alemão.

É neste quadro que surge a ideia de criar uma Comunidade Europeia de Defesa, a CED. Os seis países fundadores da CECA aceitam genericamente a ideia e o processo segue um desenvolvimento que irá afetar a sensibilidade dos franceses.

O novo Primeiro-ministro francês, Mendes France, apresentou várias alterações à CED devido à forte contestação a esse projeto em França. Paris acabaria por discordar da supranacionalidade da CED sem direito de veto conferido à França. Entretendo Estaline morre em Março de 1953 e meses depois é negociado um armistício na Coreia.

A perceção francesa era que não existia um risco eminente de guerra. A conjugação de todos esses fatores levou à rejeição pela Assembleia Nacional francesa do projeto de constituição da CED. O chumbo francês gerou uma forte deceção e um pessimismo generalizado nas principais capitais europeias. A solução para o problema da defesa da Europa acabou por ser a solução inicial dos EUA, o rearmamento da Alemanha, embora com supervisão da NATO.

Resolvida a questão militar, Jean Monet preparou uma nova proposta numa reunião com Paul Henri-Spaak, o Ministro dos Estrangeiros da Bélgica. A sua ideia era criar uma comunidade económica de energia nuclear. Monet considerava o carvão uma tecnologia do passado, o futuro seria a energia nuclear. No seu entender a Europa não estava condenada a comprar petróleo aos Árabes e centrais nucleares aos americanos. A sua ideia era criar uma Comunidade Europeia de Energia Atómica civil e sem qualquer finalidade militar, a Euroatom. Coube a Spaak sondar os outros países membros da CECA sobre a viabilidade da Euroatom.

Neste processo de consultas, o Ministro dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos, Johan Willem Beyen, apresenta uma ideia inovadora ao defender a criação de uma união aduaneira, ou seja, de um mercado comum sem barreiras alfandegárias que abrangesse os 150 milhões de consumidores dos seis países da CECA. Beyen acreditava num processo de integração económica articulado com a criação do Euroatom.

O Primeiro-ministro luxemburguês Joseph Bech apoiou a ideia de Beyen e defendeu a importância que caberia aos pequenos países nas negociações para a criação da nova união aduaneira. Bech achava que os italianos apoiariam a proposta, depois de estarem do lado errado durante a guerra. Considerava ainda que a Alemanha também seria a favor por já ter taxas alfandegárias baixas e que os ingleses não iriam querer ser abrangidos porque já tinham o mercado da comonwealth. Todas as previsões de Bech revelaram-se certeiras.

Em cima da mesa dos líderes dos países da CECA constavam duas propostas: um mercado comum com união aduaneira e o Euroatom. A negociação era muito clara, para terem uma era obrigatório aceitar a outra.

O projeto avança e Paul Henri-Spaak foi nomeado o supervisor do projeto, sendo encarregado de elaborar um relatório com a estruturação do novo projeto de união aduaneira e da estrutura política capaz de o coordenar. Rapidamente é constituído uma equipa restrita que se refugia num velho castelo para redigir um texto base para o futuro tratado.

Os riscos de um projeto demasiado ambicioso eram evidentes. Entretanto vão sendo assumidas posições mais clarificadas. Konrad Adenauer deixa claro que a Alemanha não quer adotar a proteção social da França. Por sua vez, Paris também manifestava sérias desconfianças. Os franceses queriam o mercado comum apenas por seis anos e a título experimental. O Reino Unido deixou claro que ficaria fora do novo mercado comum.

O Relatório final de Spaak defendia a eliminação das taxas aduaneiras entre os seis países fundadores da nova comunidade e a adoção de uma taxa única para as transações com terceiros. No plano político era defendido uma Alta Autoridade com poderes executivos, um parlamento comum com poderes de fiscalização e um conselho intergovernamental, foram estes os antecessores dos atuais Comissão Europeia, Parlamento Europeu e Conselho de Ministros da União Europeia.

Entretanto a França estava mergulhada na crise da Argélia. Paris defendia a inclusão do Reino Unido e das colónias africanas francesas na nova comunidade. Os franceses também insistiam na necessidade de contemplar uma dimensão social ao novo mercado comum, proponham a harmonização social, férias pagas, igualdade de salários entre homens e mulheres, entre várias outras propostas. Os franceses tinham ainda o problema de quererem desenvolver a Bomba Atómica e o Euroatom proibia-o. Seria necessário negociar uma exceção muito sensível para poder acomodar as pretensões francesas, algo muito difícil de aceitar pela Alemanha.

A piorar situação política ocorre a Crise no Canal do Suez. Pressionado pela recusa de Washington em conceder um grande empréstimo para financiar a construção de uma barragem hidroelétrica, o líder egípcio Gamal Abdel Nasser decide, em finais de outubro de 1956, nacionalizar o Canal do Suez. Os franceses temiam a influência do pan-arabismo de Nasser na Argélia. Os ingleses temiam a desestabilização do Egito. E Israel, como sempre, controlava todas as movimentações dos seus vizinhos árabes, em especial no Egito e na Síria. É neste quadro que estes três países decidem realizar uma operação militar secreta para controlar o Canal do Suez. Os EUA são apanhados de surpresa e reagem mal condenando a operação, por temerem uma escalada militar da URSS, aliada do Egito. EUA, URSS e ONU decidem rapidamente os termos de um cessar-fogo e Inglaterra e França ficam em choque. Ficava claro que a França e a Inglaterra já não eram potências determinantes no sistema internacional.

Em simultâneo com a crise do Suez ocorre a revolução húngara, uma grande contestação popular contra o domínio soviético. Os soviéticos reagem e Nikita Krutchov manda avançar com tanques e tropas, é consumada a invasão soviética sobre a Hungria e as contestações terminam.

Por mais polémico e inverosímil que possa parecer a verdade é que quer Nikita Krushov, quer Gamal Nasser tiveram muita influência nos caminhos que seriam trilhados na Europa.

É neste quadro internacional complexo que emerge o chanceler alemão Konrad Adenauer. Adenauer temia a ameaça soviética sobre a Alemanha ocidental, para ele, desde a crise da ponte aérea de Berlim, era clara a pretensão de Moscovo de fomentar uma reunificação alemã violenta sob a iniciativa da Alemanha oriental, a invasão da Hungria apenas fortalecia essa convicção. Em contagem decrescente para eleições legislativas, Adenauer acaba por aceitar todos os pontos do plano de Spaak, incluindo a bomba atómica francesa e ainda a inclusão das colónias africanas.

Estava ultrapassado o último obstáculo ao início da integração económica europeia. Tinham decorrido sete anos sobre a declaração de Schumann mas apenas pouco mais de um ano desde a reunião em Messina em que foi decidida tornar a integração europeia extensiva a toda a economia.

É por esta altura que Paul Henri-Spaak profere as suas palavras proféticas – “abrimos uma porta que ninguém poderá fechar”. Acordado o texto de acordo sobre a nova organização é preparada a cimeira europeia que marca o arranque formal da Comunidade Económica Europeia (CEE). É na capital italiana que será assinado a 25 Março de 1957 o célebre Tratado de Roma que institui a CEE, a antecessora da atual União Europeia.