Opinião

Deslocados

O açoriano é um utente deslocado em potência e esta verdade devia impelir-nos a ter uma atenção especial aos pacientes que veem a sua situação de vulnerabilidade agravada por se deslocarem para fora da sua ilha para diagnósticos e tratamentos suportando e/ou adiantando parte significativa dos custos.
Importa colocarmo-nos nos sapatos do outro para ter consciência da realidade do utente deslocado, dos seus esforços para ter alojamento a preço condigno, dos sacrifícios que faz para se alimentar, dos custos com transportes.
Foi num destes incómodos pares de sapatos que acordei a 11 de setembro ao ouvir no jornal da RDP/A o relato de um açoriano de 69 anos que sendo doente oncológico desde abril, todos os meses se desloca das Flores para receber tratamento no Hospital da Horta e durante estes 5 meses nunca recebeu qualquer comparticipação, ou seja, durante este período tem suportado às suas expensas o alojamento, a alimentação e o transporte terrestre sem receber o apoio que lhe era devido, em suma, a Região há 5 meses que tem uma dívida com este doente, tal com tem com outros utentes.
Esta dívida do SRS é incomparável com a dívida a fornecedores que se agravou nos últimos 3 anos em 53,3 M€, pelo que não é o impacto financeira que choca, mas a dimensão ética e humanística de manter uma dívida com os utentes que deviam ser o centro das preocupações do SRS, e que, nestas circunstâncias ao serem tratados são simultaneamente onerados com um conjunto de despesas que deviam ser comparticipadas de imediato.
Perante esta realidade, calçado nos desconfortáveis sapatos de deslocado, e sem a sua paciência de paciente, usei o instrumento parlamentar que mais rapidamente chamaria à atenção para a situação avançando com um voto de protesto pelos atrasos significativos no pagamento dos apoios aos utentes deslocados que, em boa hora, foi aprovado pela maioria dos deputados da Assembleia.
Fora da maioria sensata (pelo menos nesta questão) ficaram os partidos que suportam a coligação PSD/CDS/PPM porque o debate foi apenas entre partidos e isso não lhes agradou ou porque não gostaram do tom ou por um qualquer motivo forjado para não protestar contra o Governo, o que nos leva a concluir que além de utentes deslocados, existem também deputados deslocados... da realidade.