Opinião

Porque o Natal é todos os dias

O Natal é tradicionalmente um tempo de esperança e solidariedade. Nos Açores, onde muitas famílias enfrentam dificuldades crescentes, essa quadra também traz um sentimento de inquietação. Apesar das conquistas alcançadas no combate à pobreza, as opções políticas dos últimos quatro anos colocaram a região novamente como a mais pobre do país. Este retrocesso exige uma reflexão urgente sobre a responsabilidade política e o impacto das escolhas — ou da falta delas — na vida das famílias açorianas.

Em 2018, consolidando e fortalecendo um caminho já iniciado, foi implementada nos Açores uma Estratégia Regional de Combate à Pobreza, marcada por medidas concretas e eficazes. Uma avaliação realizada em outubro de 2020 destacava resultados positivos, com avanços significativos no apoio às famílias mais vulneráveis. Contudo, em novembro de 2020, com a posse do novo governo de coligação, essa estratégia foi suspensa. No seu lugar, foi encomendado à Universidade de Coimbra um novo plano, concluído apenas no final de 2023. A sua apresentação pública foi anunciada para março de 2024. Estamos em dezembro e ainda não aconteceu; o silêncio é inquietante.

Neste intervalo, os Açores enfrentaram quatro anos de políticas avulsas e descoordenadas no combate à pobreza. A ausência de uma abordagem estratégica levou ao aumento da precariedade social e económica, comprometendo os avanços alcançados até 2020. Hoje, a região está novamente no topo do ranking da pobreza em Portugal, uma posição que deveria ser inaceitável para qualquer governo.

Thomas Piketty, no livro “Capital e Ideologia”, defende que a desigualdade não é uma inevitabilidade, mas uma consequência de escolhas políticas. Nos Açores, a escolha de suspender uma estratégia que apresentava resultados concretos para apostar num plano que permanece invisível é, no mínimo, irresponsável. A pobreza não espera. Cada atraso, cada decisão errada, representa crianças sem acesso ao básico, idosos com a sua dignidade comprometida e famílias inteiras presas em ciclos de exclusão.

O Natal traz um olhar mais atento sobre a pobreza, ou pelo menos desperta consciências. No entanto, não podemos limitar essa reflexão à quadra natalícia. O cuidado com o próximo é um valor essencial. É premente implementar políticas estruturais e sustentáveis que combatam a pobreza de forma eficaz e coloquem a justiça social no centro da agenda política.