Decorreu no passado Domingo o terceiro Referendo da nossa Democracia. É pois altura de, em Portugal, os Parlamentos, como instrumentos e garantes primeiros da Democracia Representativa, aliás também responsáveis pela opção referendária, analisarem o modo como o acto Referendário decorreu e, sobretudo, prepararem-se para, em Lei executante, cumprirem a vontade soberana do Povo.
Foi com normalidade, civismo e maturidade democráticas que decorreu a campanha e o acto referendário, sendo de resto compreensíveis o calor e o entusiasmo que, por vezes, apoiantes de ambas as respostas colocaram na campanha. A vida da Cidade assim o exige, e as opções e o pluralismo ainda não morreram na sua essencialidade e na vida de uma Comunidade.
O Referendo é um instrumento nobre duma Democracia moderna. Mas exigente, porque a todos convoca a tomar posição e a decidir questões concretas, mas complexas ou difíceis - seja através da organização de grupos de cidadãos, seja através do acto solitário, reservado e soberano de decidir, com o voto.
Não se trata aqui de escolher outros, que terão a responsabilidade de, com base num contrato, necessariamente genérico, concretizarem milhares de decisões. O que está em questão no Referendo é, ao nível concreto, a decisão soberana de uma questão, a resposta decisiva a uma pergunta concreta.
Daí que seja naturalmente de saudar a descida da abstenção, mais significativa no Continente do que nos Açores. A campanha mais intensa e o debate bem mais visível que este Referendo provocou no País, sobretudo em comparação com o primeiro sobre a mesma matéria - deram naturalmente o seu contributo para esta melhoria qualitativa.
O Referendo é entre nós decidido pela Assembleia da República, que aprova a pergunta que, validada pelo Tribunal Constitucional, é promulgada pelo Presidente da República. Cumprido este formalismo, resta dizer que, ao nível da legitimidade política, o Partido Socialista, no contrato que estabeleceu com os portugueses em 2005, anunciou que voltaria a colocar a questão, e obrigatoriamente através do recurso ao Referendo; tomou posição oficial e substantiva relativamente à pergunta, e comprometeu-se, em tempo, com o que faria face aos possíveis resultados do acto Referendário, sobretudo nos casos de não ser juridicamente vinculativo, por não contar com a participação de 50% dos cidadãos eleitores - em termos políticos o resultado do Referendo seria sempre vinculativo para o PS, que, através dos seus deputados à Assembleia da República, se comprometeu a dar forma legislativa a essa vontade, para nós ainda assim soberana, porque sendo a abstenção um acto livre e democrático, ele não deixa de ser responsável e de ter necessariamente consequências políticas.
Senhor Presidente da Assembleia,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhora e Senhores Membros do Governo
A vontade dos portugueses foi responder Sim à pergunta do Referendo. Execute-se então a vontade soberana dos portugueses, dum Referendo Nacional e em matéria de direitos, liberdades e garantias, o mesmo é dizer aplicável a todos os portugueses.
Nesta matéria, o voto dos açorianos, claramente no sentido do Não, tem o mesmo valor e dignidade que qualquer outro, noutra área geográfica do País. Por isso mesmo, há oito anos o voto dos açorianos foi decisivo, a nível nacional, para a vitória do Não. Por isso mesmo, hoje, a todos os votantes do Não, independentemente da geografia, cabe acatar democraticamente a vontade da maioria.
Senhor Presidente da Assembleia,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhora e Senhores Membros do Governo
De resto, hoje como sempre, e também nesta matéria, o Partido Socialista constata, para além das convicções e divisões legítimas e respeitáveis que, assente a espuma das opções, há um profundo consenso na sociedade portuguesa àcerca da despenalização voluntária da gravidez. Relativamente à Lei há mais de 20 anos em vigor, que o Partido Socialista foi então decisivo para aprovar, com a oposição frontal de muitos; mas igualmente acerca da despenalização limitada às dez semanas após a concepção. Isso mesmo foi expressamente afirmado pelos apoiantes do Sim, e pelos apoiantes do Não. Isso mesmo resultou da vitória do Sim à despenalização constante da pergunta do Referendo.
Cabe agora ao legislador, aos órgãos da Administração Pública prestadora em matéria de saúde e apoio social, à sociedade civil, aos profissionais das supra-referidas áreas sociais a tomada, aprofundamento e consolidação de um conjunto de políticas activas no sentido da educação para a saúde e para a sexualidade, saudável e responsável, designadamente ao nível do planeamento familiar eficaz; de políticas positivas de apoio à maternidade e infância, como valores constitucionais impostergáveis - que, para além da prossecução destes valores de per si, sejam uma resposta, eficaz e frontal, no sentido do combate ao aborto clandestino e da redução da necessidade de recurso ao aborto em geral.
A vitória do Sim permite a despenalização e obriga à mudança no sentido atrás enunciado que, estou certo, gerará novos e alargados consensos na sociedade portuguesa, tornando-a melhor, mais digna e mais tolerante.
Disse.