Na passada sexta-feira, dia 4 de Novembro, a Presidente do PSD-Açores, Berta Cabral, acompanhada do Deputado Duarte Freitas, manifestou-se preocupada com os “problemas estruturais da agricultura picoense”, dando como exemplos o “subdimensionamento da sala de desmancha do Matadouro do Pico” e o “sobredimensionamento da fábrica de lacticínios da LactoPico”.
Tais declarações evidenciam o descaramento e a enorme hipocrisia política de Berta Cabral e da sua comitiva. Será que já se esqueceram do estado do sector em 1996?... É que se se esqueceram, nós não!...
E, para o caso de se terem esquecido, nós recordamo-los do estado em que os governos do PSD deixaram a agro-pecuária do Pico. Até porque, também, não nos esquecemos que, na altura, Berta Cabral era Secretária Regional das Finanças e Duarte Freitas era consultor da LactoPico e Presidente da Associação de Agricultores da Ilha do Pico, ambos com responsabilidades directas na situação então vivida.
Entre 1992 – ano em que a LactoPico “comprou” a fábrica da Martins & Rebelo – e 1995, a produção leiteira do Pico, entregue em fábrica, caiu quase 20%, baixando dos 7,4 para os 6,0 milhões de litros.
Em Outubro de 1994, a LactoPico devia seis meses de leite aos fornecedores, no valor de mais de 500 mil euros (108 mil contos), e o descalabro foi, progressivamente, aumentando ao ponto de, em meados de 2007, o atraso no pagamento aos produtores ter atingido os treze meses e quase 1 milhão de euros (escudos 199.465.608$50), apesar da cooperativa ter recorrido a um empréstimo bancário de 500 mil euros (100 mil contos), em Janeiro de 2006.
De acordo com um relatório da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa Regional de 19 de Outubro de 1994, citando a Associação de Agricultores da Ilha do Pico, “os produtores vivem num clima de auto-subsistência económica em virtude dos atrasos no pagamento do leite, socorrendo-se da produção de bovinos de carne para minimizar essa situação”. Tal facto é atestado pelo aumento significativo da saída de gado vivo do Pico, que passou das 6.005 cabeças, em 1992, para as 8.246, em 1995.
Convém, igualmente, lembrar como tudo mudou, de então para cá…
Em 1997 foi iniciado o saneamento financeiro da LactoPico e o processo conducente à criação da Picolaze e à construção da nova fábrica de lacticínios, inaugurada em Novembro de 2001.
Os lavradores do Pico acreditaram e, logo no ano 2000, ainda com a Picolaze a laborar nas velhas instalações da Martins & Rebelo, aumentaram a produção leiteira entregue em fábrica para 8,34 milhões de litros, ou seja mais 39% do que em 1995.
Em 2010, o leite entregue em fábrica na ilha do Pico atingiu os 8,4 milhões de litros, valor que poderá ser superado este ano, já que até Agosto foram entregues mais 90.000 litros do que no período homologo do ano passado.
Convém, ainda, a este propósito, recordar que a nova fábrica de lacticínios da Picolaze foi projectada e construída por privados, que a dimensionaram – certamente de forma responsável – para uma laboração máxima diária de 40.000 litros.
E é a esta unidade fabril que Berta Cabral e Duarte Freitas se referem, considerando-a “sobredimensionada”, quando este último, enquanto presidente da AAIP, em documento entregue à Comissão de Economia da ALRA, em 18 de Outubro de 1994, afirmava a necessidade de construção de uma nova unidade para “absorver 8-10 milhões de litros e máximo de 60.000l/dia”… É preciso ter memória curta!
Relativamente ao “subdimensionado” Matadouro do Pico, importa lembrar que se trata de uma obra projectada e construída com ambição, pois só assim foi possível mais do que triplicar o número de abates de bovinos no primeiro ano completo de laboração (6.291 cabeças em 1998) e quase quintuplicá-los em 2009 (8.749 cabeças), relativamente aos 1.809 abates efectuados em 2006 no, pomposamente baptizado, “Matadouro Industrial do Pico”, que nunca serviu para além dos abates destinados ao consumo interno da ilha.
O novo matadouro, com a respectiva sala de desmancha, possibilitou, também, o incremento das exportações de bovinos em carcaça, em detrimento da habitual saída de gado vivo, com ganhos manifestos para a produção. Assim, dos cerca de 8.300 animais exportados do Pico no último ano, mais de 70% foram-no em carcaça ou desmanchados e parte destes certificados como carne IGP.
Não obstante os constrangimentos que se conhecem no Matadouro do Pico, face ao aumento exponencial da sua actividade, os investimentos de ampliação que aí eventualmente se tenham de fazer, não podem olvidar que são abatidos no Pico cerca de um milhar de bovinos oriundos do Faial, devendo ser estudados em função das obras a realizar nessa ilha, já que o actual Matadouro do Faial – mais um projecto do Governo de que fez parte Berta Cabral – nem sequer dispõe de uma sala de desmancha ou de condições que permitam a sua certificação.
Ainda no que diz respeito a matadouros, o Pico tem em actividade uma unidade privada de abate de aves, a qual comercializa, anualmente, cerca de 250 toneladas de frango (peso limpo).
Para além das unidades já referidas, foram apoiados pelo Governo Regional, na última década, vários projectos de investimento no sector primário, em absoluto contraste com os “praticamente inexistentes subsídios ao investimento” de que se lamentava a AAIP, no mencionado documento de 18 de Outubro de 1994.
E até no domínio da diversificação agrícola, felizmente, hoje as coisas estão bem diferentes, para melhor.
Por exemplo, na viticultura, e depois de, entre 1992 e 1996, a área de vinha no Pico ter sido reduzida de 1.160 para 819,4 hectares, em 2008 já era de 1.044,3 hectares, com o crescente peso das áreas reconvertidas ao abrigo do Programa Vitis. Em simultâneo, aumentou-se a quantidade e qualidade dos produtos vínicos e, como corolário dessa dinâmica, construiu-se o Laboratório Regional de Enologia, reconhecido como um dos mais modernos do país.
Contrariamente ao que afirmou a Presidente do PSD-Açores, a realidade evidencia que os investimentos feitos ou apoiados pelos governos socialistas no sector agro-pecuário do Pico, com destaque para o matadouro e a fábrica de lacticínios, vieram colmatar os problemas – esses sim, estruturais e graves – herdados da governação laranja.
É óbvio, que muito ainda há a fazer no sector no Pico. Face às suas debilidades e fragilidades naturais, não podemos descansar, nem sequer estamos em condições de enjeitar os contributos de todos aqueles que, genuinamente, se preocupam com o desenvolvimento da agro-pecuária da ilha e são detentores de conhecimento e capacidades que possam contribuir para tal. Mas, certamente, Berta Cabral – desde logo, pelo seu passado como governante e pela ligeireza das recentes declarações – jamais poderá ser incluída nesse grupo.