Cláudia Cardoso apresentou esta quarta-feira à Assembleia Legislativa dos Açores, em nome do PS/Açores, o seguinte voto de pesar, aprovado por unanimidade, que se transcreve na íntegra:
VOTO DE PESAR
Pelo falecimento do jornalista Tibério Cabral
Senhora Presidente
Senhoras e senhores deputados
Senhoras e Senhores membros do Governo
Perguntou a um católico convicto se era “contra a utilização do preservativo”, ao líder de um partido se “os cravos de abril estavam mais do que murchos?” e a um padre “Como se podiam mudar as estruturas do pecado?”, sem ter medo das respostas. Era assim o Tibério Cabral. Com a sua solenidade serena, com uma cordialidade desarmante, com uma delicadeza nos modos que surpreendia quem com ele convivia, ou quem, por ele, teve a oportunidade de ser entrevistado.
Tibério Laureano Meneses Cabral nasceu em 1957, numa das freguesias do Ramo Grande da ilha Terceira, as Fontinhas. Interrompeu os estudos para trabalhar como empregado de balcão numa mercearia, e só mais tarde os retomaria na Escola Preparatória Ciprião de Figueiredo, no Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, e no Liceu Nacional de Évora.
A maior parte da sua carreira de jornalista entregou-a ao Rádio Clube de Angra, no qual exerceu durante vinte anos, entre 1978 e 1998, funções de locutor, de realizador de programas e de jornalista. Nestas funções concebeu, produziu e coordenou um conhecido programa de entrevistas, designado «Encontro». E que deu origem, na passagem do seu aniversário, a espetáculos comemorativos célebres no Teatro Angrense, pela participação de cantores muito em voga à época, como Paulo de Carvalho e Carlos do Carmo. Foi responsável também pela realização e apresentação do programa “Viver a Cultura é Preciso”, emitido quinzenalmente em todas as estações de rádio dos Açores.
Na imprensa escrita foi jornalista dos matutinos “Diário Insular” e “A União”, do semanário “Expresso das Nove”, e do quinzenário “Directo”.
Mas não era só do relato informativo que se tecia a sua escrita. O Tibério tinha alma de poeta. E dotes de diseur, conhecidos e reconhecidos, tendo concebido, realizado e apresentado os recitais de poesia designados “As Vidas Que Eu Já Vi” e “Não Posso Adiar o Coração”.
O teatro foi outra das suas paixões, tendo chegado a ser ator e até Presidente da Direção do Grupo de Teatro «Alpendre».
Embora tenha sido no jornalismo, e particularmente no exercício da entrevista, que mais se destacou. Consciente da sua personalidade eminentemente emotiva viu nesta um espaço de partilha humana. Assente numa tríade que, simultaneamente, o intrigava e fascinava. E que se suportava num frágil equilíbrio. O de caber ao bom jornalista fazer as perguntas certas para obter as melhores respostas, mas que exigia que dispusesse de um entrevistado à altura, sob pena do diálogo se interromper. Manquejar. Ficar desvalido.
Porém, o Tibério era um provocador. Não se ficava. Espicaçava sempre os seus entrevistados. E esticava a corda. Puxando-os para fora da sua zona de conforto. Incomodava consciências, mesmo que fosse a do próprio entrevistado, levando-o pelo caminho menos previsível. Parecendo atirar dardos, que se transformavam, afinal, em rosas serenas.
E com isto despertava da letargia um dos outros ângulos desta tríade, o do leitor eventual, que saído do sossego se entusiasmava pelo que lia. Este equilíbrio era, porém, difícil de sustentar. Nem sempre se atingia a elevação pretendida, mas naturalmente que o Tibério fazia a sua parte. E fazia-a bem. Com frontalidade, desassombro e uma noção clara da absoluta fragilidade da condição humana.
A sua carreira nos meios de comunicação social regionais permitiu-lhe angariar matéria para publicar quatro livros de entrevistas, em parceria com o Instituto Açoriano de Cultura, “O Que Eles Disseram” em 1998, “Igreja – Virtudes e Pecados” em 2004, e “A Política dos Políticos”, em dois volumes de entrevistas, em 2001 e 2011. A escolha dos seus entrevistados era eclética, e não obedecia a regras nem a preceitos convencionados.
O Tibério Cabral era uma figura especial. Atormentada pelas chagas da injustiça social, perturbado com o desfavorecimento, incansável na sua luta por um mundo melhor. Fez pela palavra, que é um instrumento volátil e arredio como se sabe, um poema permanente. Com docilidade e genuína afeição pela humanidade nos outros. Que reconhecia. E sempre na perseguição do bem comum, à sua maneira. E embora esta nem sempre tenha sido bem compreendida ou estimada, deixou a marca da sua singularidade num mundo excessivamente asséptico para quem se dá ao trabalho de sobre ele querer pensar.
No passado dia 15 de fevereiro, Tibério Cabral partiu precocemente aos 58 anos. Calou a sua voz irrequieta. A mesma que nunca antes permitiu a outros que calassem. E a mesma voz que deu voz a tantos outros, fosse nas páginas dos jornais, fosse aos microfones da rádio. Uma voz assim não se cala, mesmo que momentaneamente estejamos incapazes de a ouvir.
Assim, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores a aprovação de um voto de pesar pelo falecimento de Tibério Cabral, e propõe que dele se dê conhecimento aos seus familiares, expressando as nossas mais sinceras condolências.