Conferência de Imprensa: “Cinco Pecados Originais”

PS Açores - 8 de novembro, 2020

Texto da  conferência de imprensa do Presidente Vasco Cordeiro:

 

Nas eleições do passado dia 25 de outubro, o Povo Açoriano deu a vitória ao Partido Socialista em sete das nove ilhas, em 12 dos 19 concelhos e em 101 das 156 freguesias da nossa Região, tendo os resultados eleitorais se traduzido, também, na perda de cerca de 2500 votos e de 5 mandatos.

Face a esses resultados, o Partido Socialista, como maior partido dos Açores, assumiu plenamente esses resultados naquilo que, em nossa opinião, o Povo Açoriano nos transmitiu de forma clara: o mandato de partido mais votado, mas a necessidade de introduzir mudanças na forma como exercemos esse mesmo mandato que nos foi concedido: o Povo Açoriano sinalizou que era necessário da nossa parte um esforço acrescido em termos de concertação, de diálogo, de auscultação, desde logo, com outros partidos políticos; fazer diferente, corrigir, melhorar e inovar em políticas que não produziram os resultados desejados ou não o fizeram tão rápido quanto gostaríamos.

Assim, logo a partir da segunda feira, dia 26, abrimos as portas ao diálogo com todos os partidos que, ou pelo seu histórico de diálogo com o PS/Açores, ou pela recíproca abertura a esse mesmo diálogo, ou, também pela sua representatividade, pudessem contribuir para um resultado positivo, estável e profícuo.

Fizemo-lo, não na praça pública nem nos jornais, mas com o respeito pelo povo Açoriano e defendendo a dignidade da nossa Autonomia.

Os únicos dois partidos com os quais o Partido Socialista não falou foram o PSD – porque, imediatamente na noite das eleições, assumiu o intento de ser Governo dos Açores – e o CHEGA, tendo em conta as diferenças intransponíveis em termos de posicionamento político face à sociedade e aos cidadãos, desde logo, as que resultam de posições xenófobas, atentatórias da liberdade e da dignidade de homens e mulheres e, por último, anti autonomistas.

Ontem, na sequência dos resultados eleitorais, atrás referidos, e da audição dos partidos políticos representados na XII Legislatura da Assembleia Legislativa da Região, o Senhor Representante da República para os Açores decidiu atribuir ao segundo partido mais votado, que é também o segundo partido em número de parlamentares, a responsabilidade de formar governo.

Fê-lo, argumentando com um alegado acordo celebrado entre três partidos que totaliza 26 em 57 deputados, bem como o apoio dos deputados do CHEGA e do Iniciativa Liberal, o que nos remete para 29 deputados, bem como com a estabilidade de soluções governativas.

Ora, relativamente a esta decisão e à situação política em que a mesma se insere, o PS/Açores entende que há cinco pecados originais no início desta XII Legislatura Regional dos Açores.

 

O primeiro tem a ver com a decisão do Senhor Representante da República e com o facto de, ancorando-se ela onde, declaradamente, o mesmo a faz ancorar, isso constituir um claro e inquestionável atropelo às competências do Parlamento dos Açores.

Na verdade, ajuizar se um governo tem ou não condições de apoio parlamentar, desde logo, para a aprovação do seu programa de governo, não é, nem na letra nem no espírito da Constituição ou do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, condição para a indigitação, simplesmente porque não é quem indigita, nem no momento em que se indigita, que isso pode ser aferido.

Essa é uma competência e um juízo que só pode, mas que, também, só deve ser exercido pelos representantes do Povo Açoriano no Parlamento dos Açores.

Ora, no caso concreto,  os Deputados Regionais ainda não iniciaram funções, o novo Parlamento ainda não está em funcionamento, nem, muito menos, se conhece que Programa de Governo seria apresentado, uma vez que se dá por certo que nunca seria o programa como tal apresentado por um partido em campanha eleitoral, tendo em conta a necessidade de apoio de outros partidos.

O Senhor Representante da República, ao fundamentar a decisão de nomear já o segundo partido mais votado numa pretensa estabilidade parlamentar, substitui-se abusivamente, ao Parlamento dos Açores, naquilo que só a este deveria caber.

O histórico do passado recente reforça esse entendimento, segundo o qual, a aferição das condições de estabilidade parlamentar ou da falta dela, não compete a quem indigita ou a quem nomeia, mas sim a quem pode garantir ou não essa estabilidade, ou seja, ao Parlamento.

Foi o que aconteceu em 2015 com a decisão do então Presidente da República Cavaco Silva de nomear, em primeiro lugar, a coligação então formada pelo PSD-CDS/PP, remetendo para o Parlamento, e apenas para o Parlamento, o juízo sobre a solidez ou, antes disso, a viabilidade parlamentar de uma qualquer solução governativa, ou dessa concreta solução governativa.

E se foi assim numa situação em que o Governo, da República, era também responsável perante quem o nomeou, ou seja o Governo da República é responsável politicamente, também, perante o Presidente da República não poderia deixar de ser assim no caso, como é o nosso, em que o Governo apenas é responsável perante o Parlamento Regional e nunca perante o Representante da República.

Permito-me, ainda, salientar, que esse entendimento está em perfeita coerência e sintonia com aquilo que, em 2015, eu defendi e que, ainda hoje, defendo: quem ganha as eleições é que deve governar e, se não tem apoio parlamentar por si só, deve procurá-lo e construí-lo no Parlamento. 

 

O segundo pecado original desta XII Legislatura é o da instrumentalização dos Açores e da Autonomia.

A situação que, após o dia 25 de outubro, desembocou na decisão de indigitar o segundo partido, quer em termos de votos, quer em termos de mandatos, para formar governo, não é, comprovadamente, uma situação que se tenha norteado pelo que interessa aos Açores e aos Açorianos.

Há Lisboa a mais e Açores a menos nesta solução.

O que aconteceu ao longo desta semana, nomeadamente, entre o PSD e o CHEGA, contando com a cumplicidade ativa do CDS-PP, do PPM e do Iniciativa Liberal, demonstra que os Açores e a nossa Autonomia foram moeda de troca para as estruturas nacionais desses partidos. Por ação ou por omissão, todos esses partidos pactuaram, foram cúmplices dessa instrumentalização dos Açores e da nossa Autonomia, em benefício de agendas políticas e protagonismos pessoais que nada têm a ver com a nossa Região.

 

O terceiro pecado original é a falta de transparência.

Os Açorianos não conhecem os textos dos acordos feitos entre os cinco partidos que agora são responsáveis pelo Governo Regional.

PSD, CDS e PPM alicerçam o seu entendimento num acordo que, até a esta hora, permanece escondido da luz do dia.

PSD e CHEGA entretêm-se a brincar às declarações entre um que diz que teve uma vitória histórica com o acordo que ninguém viu e o outro que diz que, entre eles, nunca viu acordo nenhum.

O Iniciativa Liberal, perante o silêncio do PSD, divulga aquilo que acha que acordou com esse partido.

Curiosamente, o PSD, denominador comum a todos esses supostos acordos, permanece mudo e quedo: será que acordaram mesmo alguma coisa, para além de retirar o PS do Governo?

Seria cómico, se não fosse trágico...

 

O quarto pecado original é a fragilidade desta solução derivada das contradições entre os partidos que a compõem

O CHEGA diz que acordou com o PSD a redução do número de deputados na Assembleia Legislativa Regional.

O Iniciativa Liberal, com apenas um deputado, eleito pelo Círculo de Compensação, o que pensa disso?

A acreditar no Iniciativa Liberal, o PSD acordou com o mesmo que “o exercício de tutela sobre as empresas integradas no Setor Público Empresarial não será confundido com ingerência política na sua gestão diária” e que deve haver “uma política de transportes sustentável e com efetiva concorrência”.

O CDS, porém, acha, ou achava, que se deve mandar a SATA comprar um avião cargueiro, e o PPM que o Governo deve comprar um navio para transporte de mercadoria para o Corvo, mesmo sabendo que há empresas privadas interessadas nesse serviço.

Em que ficamos?

 

O quinto pecado original é que a génese da afirmação dos partidos responsáveis, a partir de agora, pelo Governo é uma negativa. Não é algo de positivo.

O que levou PSD, CDS, PPM, CHEGA e INICIATIVA LIBERAL a unirem-se não foi, logo no início deste processo, qualquer coisa de positivo, mas sim, apenas e tão só, afastar o PS do Governo Regional.

Mais do que um projeto comum para os Açores, mais do que uma perspetiva comum, próxima ou semelhante sobre os desafios com que estamos confrontados e a forma de os ultrapassar, aquilo que, uniu esses cinco partidos não foram os Açores ou os Açorianos: foi o ódio ao PS!

E daqui não nascerá nada de bom...

 

Face a tudo isto, o Partido Socialista aqui está: não desiste, não esmorece, nem vira a cara a luta: hoje na Oposição, como ontem no Poder, cá estamos, e cá estaremos, com vontade de fazer mais e melhor, corrigir os nossos erros, suprir as nossas falhas, inovar, fazer diferente e ajudar a construir uns Açores melhores para todos os Açorianos.

E nesse trabalho, assumimos, sempre, como sempre o fizemos, em qualquer circunstância e perante seja quem for, seja quem for, a defesa acérrima, intransigente e combativa da nossa Autonomia.

Acreditamos que é por isso que os Açorianos votaram mais no PS do que em qualquer outro partido.

Acreditamos que é por isso que continuaremos a ser merecedores dessa confiança maioritária!

 

                                               Ponta Delgada, 8 de novembro de 2020

         O Presidente do PS/Açores

                Vasco Alves Cordeiro