O veto do Representante da República a um diploma do Parlamento Açoriano esteve em análise na Comissão de Assuntos Parlamentares, onde o deputado José Contente considerou que “a perspetiva plasmada na mensagem do Representante da República tem uma manifesta visão redutora das competências e atribuições da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores”, que “é incompatível com um governo de natureza parlamentar”. Por isso, reafirma José Contente “o Parlamento dos Açores deve confirmar o diploma”.
“Por maioria de razão, este veto teria de se estender também ao orçamento da Região Autónoma dos Açores”, alertou José Contente, na análise sobre o veto ao Decreto Legislativo Regional. Recorde-se que o diploma em apreço visa alterar prazos para que a empresas não sejam prejudicadas neste período pandémico e determina a aprovação de medidas para a promoção da reutilização e reciclagem.
“O sistema de Governo próprio das Regiões Autónomas é de natureza Parlamentar - aliás o Representante da República reconhece isso na sua mensagem -, pelo que se questiona, desde logo, a possibilidade de um órgão unipessoal não eleito – logo, sem legitimação popular e política- vetar por objeções de natureza política, diplomas emanados da Assembleia Legislativa Regional”, afirmou o deputado do Grupo Parlamentar do PS/Açores.
José Contente considera “o veto político do Representante da República é tanto mais absurdo quanto os argumentos invocados não têm natureza política, porquanto o quadro institucional das Autonomias encontra fundamento na Constituição e no Estatuto Político-Administrativo e, consequentemente, qualquer conflito de competências - e diga-se o mesmo face a uma eventual desadequação da forma do ato normativo - é matéria jurídica. É entendimento generalizado dos constitucionalistas que não se pode invocar argumentos de natureza jurídica para fundamentar um veto político”, como sucede neste caso.
“Mais absurda se torna esta decisão do Representante da República quanto, face ao um veto político, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores poderá confirmar o diploma por maioria absoluta, obrigando o Representante da República a assinar e mandar publicar um diploma pretensamente ilegal - o que não poderia ocorrer se se tratasse de veto jurídico!”.
José Contente recorda ainda que, tal como o próprio Representante da República reconhece, “a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores tem legitimidade – e uma vasta tradição – na emissão de recomendações e orientações ao Governo Regional”, pelo que “não se percebe qual o problema que possa existir em um Decreto Legislativo Regional contemplar normas de natureza programática”.
Acresce que, defende o parlamentar, “em última instância, como os Orçamentos da Região Autónoma dos Açores se revestem da forma de Decreto Legislativo Regional e muitas vezes contêm normas programáticas, por maioria de razão, também seriam vetados. Isto nunca aconteceu nem poderia. Caso contrário, o próprio Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2021 também teria que ser vetado por conter normas programáticas”.
Na verdade, afirma José Contente, “mesmo que se entenda que a norma controvertida padece de excesso de forma, tal facto não altera a sua natureza e, consequentemente, o grau de vinculação (ou não vinculação) do Governo Regional ao seu cumprimento. A resposta à questão suscitada deve encontrar-se nas regras de competência, da Assembleia e do Governo, e não na forma do ato utilizada, prevalecendo o princípio da competência”.
E, realça, “parece não haver dúvidas, nem para o Representante da República, que a Assembleia Legislativa dos Açores pode emitir recomendações ao Governo Regional, bem como que o Governo Regional não se encontra, no exercício das suas competências, juridicamente, vinculado às recomendações políticas da Assembleia Legislativa dos Açores - ainda que estas integrem um Decreto Legislativo Regional, o que prevalece sobre quaisquer outros critérios estruturantes da forma dos atos jurídicos ou políticos”.