Opinião

Contornar o precipício

A mudança que trazem os novos tempos é vertiginosa. “Todo o tempo é composto de mudança” sabia-o já Camões. Mas seria esta mudança a volatilidade a que hoje estamos sujeitos? Há no momento presente uma desconfiança sobre o futuro que dificilmente se consegue verbalizar. Vemos desmoronar diante dos nossos olhos as certezas de ontem. Vivemos um dia de cada vez. Como os condenados. Acautelando o desgosto. O mundo sustem a respiração. A incerteza é global. Nada dura para sempre. E mesmo a aura de deslumbramento sucumbe ao drástico poder da mudança. Veja-se o caso de Obama que em 2008 surgiu como uma esperança verdadeiramente mobilizadora e está hoje encolhido perante o resultado obtido nas legislativas. Com a popularidade ao nível dos tempos da decadência de Bush. Porque o tempo não é propício a adivinhações guardamos os palpites na algibeira. Arriscamos menos. Sobrevivemos ainda assim aos sete por cento. Às reuniões do Ministro das Finanças com Catroga. À aprovação do Orçamento na generalidade. Mas Merkel espreita-nos como a directora do colégio interno em que se transformou a Europa. Assiste à entrada da Irlanda no corredor da morte. A que nos seguimos disciplinados. A travessia que nos preparamos para fazer tem um passadiço tosco. Encolhemos a barriga, sustemos a respiração, engolimos o medo, mas os pés vacilam. O emprego já não é para a vida, a reforma pode vir a ser um luxo, e qualquer previsão um jogo de azar. A cada mudança sucede-se outra ainda maior. Ignorando o turbilhão que deixa atrás de si. Somos atropelados pelos acontecimentos. A realidade desafia o discernimento e as mais sérias previsões. Navegamos à vista. Tendo o presente como horizonte. Cometem-se erros quando não se têm absolutamente nenhumas dúvidas. Quem não duvida não reflecte. E o país precisa de uma urgente reflexão. Que não garanta nenhuma certeza mas que espicace a dúvida.