Neste momento crítico da vida nacional, em que a esperança de um povo está de rastos, é importante celebrar o 25 de Abril de 1974. Esta data deve ser o exemplo que Portugal consegue ultrapassar as dificuldades, contando com os portugueses, com a resistência de um povo que, quando motivado, é imparável.
Quarenta e oito anos de ditadura caíram numa madrugada como um baralho de cartas, devido a um punhado de capitães que viram em Portugal mais do que um regime ditatorial e uma guerra sem explicação.
O 25 de Abril prova, assim, que é possível a Portugal ultrapassar obstáculos, à primeira vista, inultrapassáveis. Este deve ser o exemplo motivador que o país precisa neste momento de angústia provocada por uma chamada “troika” que, em silêncio e fechada em gabinetes de Lisboa, está a definir o nosso futuro próximo.
É por isso que Paul Thomsen, o “senhor FMI” em Portugal, deveria perceber que a “Revolução dos Cravos” fez com que o nosso país seja, hoje, muito mais do que défices, taxas de juro, agências de rating, dívidas soberanas, prazos de maturidade e cortes de despesa. Deveria perceber que este país, quando quer, bem liderado e motivado, é também esperança, democracia e liberdade de um povo que mudou um regime quase sem sangue.
Paul Thomsen, que encabeça a “troika”, tem de perceber que existe uma geração que já nasceu e vive em democracia porque a geração antes dela não se resignou e lutou para mudar um país sujeito a um regime muito mais persistente e gravoso do que a actual ditadura dos mercados e dos ratings.
O “senhor FMI” não pode esquecer, quando estiver a definir o nosso futuro nos gabinetes de Lisboa, que existe uma geração que enfrentou uma ditadura, que derrotou uma polícia política sinistra e que acabou com uma guerra não por si, mas sim pelos seus filhos e netos.
Filhos e netos que serão, hoje, as novas vítimas da nova ditadura dos mercados e das agências. Uma ditadura sem rostos, o que torna muito mais difícil o combate.
O senhor Paul Thomsen, quando estiver a definir o nosso futuro na folha de Excel do FMI, vai ter de perceber que, numa madrugada, voltamos a ser Portugal democrático e que resistimos à mais velha ditadura da Europa. Esta é, também, a folha de serviço recente do nosso país.
A data que hoje se comemora terá de ser um alerta para o senhor Paul Thomsen: Não é aceitável que uma “troika” atire para a lama todos os direitos sociais adquiridos por Portugal após o 25 de Abril de 1974. Não é aceitável que renegue à memória de um país que sempre foi muito mais do que números. Não é aceitável que faça tábua rasa da luta de uma geração inteira de portugueses que devolveu a democracia a um país.
Um economista não tem de saber História. Mas não há economia sem povo. Portugal está preparado para os inevitáveis cortes que se avizinham, mas não está preparado que lhe tirem a esperança devolvida em 1974.
Paul Thomsen deveria, antes de fechar a sua folha de Excel numa gabinete de Lisboa, ler o poema de Manuel Alegre:
“Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
na esperança de um só dia”.