O 25 de Abril de 1974 apanhou-me a viver na ilha do Faial, onde estudava no então Liceu Nacional da Horta.
Eram tempos difíceis, esses. Tinha saído de casa dos meus pais dois anos antes, com apenas 12 anos de idade, em direcção ao desconhecido, numa viagem que durava mais de uma dúzia de horas, muitas das vezes sob condições meteorológicas difíceis. Hoje pode parecer ridículo, mas naquele tempo o Faial ficava mesmo longe.
Nessa madrugada de Abril fiquei com alguns colegas em vigília aguardando a leitura de um comunicado dos revoltosos, que tardava em chegar. Foi uma noite que passamos em claro acompanhados por um pequeno transístor, que serviu para ir conhecendo alguns dos defeitos do regime cinzento que nos governou até a esse dia.
Finalmente veio o tal comunicado, repleto de confiança e de promessas de devolver o poder ao povo.
Mentiria se afirmasse que, nessa altura, tinha consciência política apurada. Não só não a tinha, como a maioria dos jovens da minha idade também não a tinha.
Sabia-se que nem tudo estava bem, quando arrancavam de casa os nossos irmãos, primos ou vizinhos para os levarem até uma guerra longínqua que não entendíamos. Via-se que algo de anormal se passava quando os nossos pais para saberem notícias fidedignas tinham de sintonizar a BBC de forma quase clandestina. Percebia-se que a manipulação de eleições, com votos de todos, incluindo ausentes e falecidos, era a única forma de perpetuar o poder.
Eram tempos difíceis, esses. Muitos não tinham acesso à educação e à saúde. As estruturas básicas escasseavam e o povo era mantido com rédea curta. Foram gerações que, mesmo assim, nunca estiveram à rasca, porque, apesar das contingências impostas pelo regime totalitário, sempre foram desenrascadas.
Abril ficará para sempre na nossa memória como a marca de uma geração que sabia o que queria e para onde ia e que conseguiu abrir Portugal ao mundo, numa revolução de cravos e de esperança.
Bem hajam.