Opinião

Desafios à porta

Dia após dia, as notícias que nos chegam são pouco animadoras e o mundo parece andar suspenso por um fio. A crise económica e financeira alastra-se, com a consequente degradação social, ameaçando a democracia política. Sobre a primeira muito se tem falado mas pouco se tem resolvido. A nível europeu, a posição hegemónica da Alemanha e da França procura fazer com que os outros se verguem à sua vontade. Tardiamente perceberam que a crise vai para além das fronteiras dos chamados PIIGS, mas não são capazes de tomar medidas credíveis para enfrentar o ataque ao Euro e definir estratégias de crescimento e de desenvolvimento. A nível do país, o governo empenha-se em ser mais troikano que a própria troika, quando esta até tem sido maleável em algumas das propostas iniciais. O comportamento autista do governo em manter o rumo da sua política, “custe o que custar”, está a arrastar-nos para caminhos recessivos com consequências imprevisíveis. Quanto mais se aprofunda a crise económica e financeira, mais se avolumam as desigualdades sociais, se instala o desemprego, maiores são as tentações para se reduzirem ou irem eliminando as regras da democracia política. No momento presente, vão sendo evidentes os sinais de tentações totalitárias. A convicção generalizada de que a existência da União Europeia seria um obstáculo à implantação de regimes ditatoriais vai-se esboroando. Atitudes muito recentes têm demonstrado que os países mais fortes não se coíbem de impor regras a quem deles depende. Por enquanto, ainda vai havendo força para fazê-los recuar, mas a história tem demonstrado que nestas condições de crise, a tentação de interromper as regras democráticas surge com a maior das naturalidades. Assim fizeram os homens que saíram de Braga em 1926, para suspenderem o caminho da I República. Pensavam eles que um interregno daria para refletir sobre os erros cometidos, combater a corrupção e o compadrio, delinear plataformas de entendimento de modo a que a democracia retomasse a vida normal. Enganaram-se redondamente. Os que pensavam como Salazar não desperdiçaram a oportunidade e o general Gomes da Costa, passado um mês, já estava deportado nos Açores. E enganem-se aqueles que pensam que num regime ditatorial, desaparecem os videirinhos. Quem conhecer um pouco da nossa história mais recente, e estou a reportar-me ao período salazarista, tem provas abundantes da corrupção existente, mas que era obviamente abafada. Para tal existia a censura a funcionar de forma exemplar. Por parte da população, principalmente na esfera da classe média, o desespero começa a instalar-se. Nem falo do sector mais pobre porque esse sempre esteve abraçado à sua cruz. Mas a classe média, que atingiu determinados patamares de conforto razoáveis, vai ficar submetida a restrições que não irá encarar com ligeireza. E é por demais sabido que o comportamento destes estratos sociais faz pender o rumo da história para caminhos nem sempre democráticos. É a resposta normal de quem está desesperado e se agarra a discursos fáceis de salvadores de pátrias e de almas, mesmo perdendo a sua liberdade. Inquéritos recentes referiam que apenas 56% dos inquiridos valorizavam a democracia e 15% admitiam a solução ditatorial como a mais eficiente. Mesmo que o critério da pesquisa possa ser duvidoso, a mensagem passou e a bola de neve poderá começar a rolar. Da parte dos sectores mais privilegiados, a crise também os atinge. Uns mais, outros menos, mas o desejo que lhes vai na alma é o de um governo forte que lhes dê, logicamente, segurança. Com a recessão como pano de fundo, o medo, a instabilidade, o receio de se perder o pouco que ainda resta, tolhem os movimentos de um povo que anda atordoado com a catadupa de notícias alarmantes. O momento que atravessamos é, por isso, um momento de grandes desafios, para Portugal e para a Europa. Se o governo português não mudar o rumo da política que vem implementando, os legítimos descontentamentos poderão conduzir a caminhos menos esperados. Há que estar atento a todos os sinais e alertar os mais incautos para os perigos que se avizinham.