Opinião

Aeroporto das Lajes - Humberto Delgado

O livro intitulado Humberto Delgado – o General Sem Medo traça um perfil muito documentado do cidadão que ousou afrontar Salazar como nenhum outro o havia feito. Escrito pelo neto, Frederico Delgado Rosa, nele inclui um capítulo – “O Homem dos Açores” – onde fica bem evidente o papel que, o então major, desempenhou para que o aeroporto principal dos Açores ficasse situado nas Lajes. Numa determinada fase do processo, os ingleses inclinavam-se para privilegiar a opção que o colocava em Rabo de Peixe, contra a opinião de Humberto Delgado que preferia a Terceira, fundamentado em razões de ordem técnica. Os ingleses acabaram por aceitar a proposta, ficando Rabo de Peixe como campo de recurso para aterragens forçadas, abandonando-se a hipótese da abertura de outro aeroporto nas Feiteiras, Faial. Desde o início, Humberto Delgado foi um homem-chave em todo o processo para que Açores ficassem no lado dos Aliados, facto tanto mais curioso quando no seio do regime havia germanófilos ferrenhos. Mas isso é outra história. O que importa aqui realçar é o papel diligente que desempenhou, com viagens de estudo às ilhas, documentando-se de forma séria para poder dialogar com os ingleses nas missões que desempenhou em Londres. Se considerarmos que a ilha Terceira nos últimos 70 anos tem o seu destino ligado à existência da Base das Lajes, deve-o a Humberto Delgado pela sua persistência em não se deixar levar pelas opiniões dos ingleses. A leitura da imprensa terceirense dá-nos uma outra perspetiva do modo como foi considerado na Terceira e da forma como ele encarava os terceirenses. Se as primeiras viagens foram secretas, nos objetivos que ali o levavam, a partir de 1944 Humberto Delgado já não podia esconder-se na capa de Director da Aeronáutica Civil. Para os terceirenses, o cargo só se revestia de importância porque associado ao projeto do aeroporto. E nesse sentido os terceirenses promoveram manifestações de rua para lhe mostrar o seu reconhecimento; um cidadão angrense propôs que fosse nomeado cidadão honorário de Angra, o que julgo não ter acontecido, e a Câmara da Praia da Vitória, em sessão solene de 28 de Fevereiro de 1944, através do seu presidente, Jaime Soares Romeu, atribuiu o seu nome ao Miradouro da Serra de São Tiago e ofereceu-lhe uma grande salva com cachos de uva lavrados a prata. Nas entrevistas que deu, referiu que era do domínio público que tinha a sua vida e coração profundamente ligados aos Açores e que tinha um carinho muito especial pela Terceira. Diligenciou para que os camponeses, que ficaram expropriados, pudessem ter alternativa recebendo glebas de terreno até então baldio; estudou os problemas relacionados com a urbanização da ilha, com o acesso ao aeroporto internacional das Lajes e com a sua futura exploração comercial. Também se empenhou em incutir o espírito desenvolvimentista procurando que os açorianos investissem no turismo, aproveitando as infraestruturas então criadas. O próprio afirmou que se fosse capitalista era nas ilhas que investia em prol do incremento do turismo. Frisou que “os Açores têm a beleza natural e têm o que pode interessar aos países ricos e modernos: a história gravada na pedra das suas lindas fortalezas”. Estas razões são, na minha opinião, suficientes para que o Aeroporto das Lajes possa ter o sobrenome de Humberto Delgado. A manutenção do nome original evoca-nos não só a localidade onde está instalado, a prestigiada vila que se tem afirmado no panorama regional, mas também a base militar, onde estão aquarteladas forças americanas e portuguesas. Deste modo, não se apaga a memória histórica da origem do aeroporto. Ao acrescentarmos o nome de Humberto Delgado estamos a prestar homenagem ao homem que foi diretamente responsável para que o aeroporto ali se implantasse. Um homem que foi um abnegado lutador para o desenvolvimento dos transportes aéreos a nível nacional, um homem que representou Portugal na Organização Internacional da Aviação Civil. Para além de tudo isso, quis o destino que se candidatasse a Presidente da República, em 1958. E teria ganho as eleições se não fossem as falcatruas e teria demitido Salazar, como afirmou aos jornalistas. Neste contexto, os jornais que o haviam incensado e colocado no altar, rapidamente o crucificaram e transformaram em diabo. E a PIDE encarregou-se do resto, assassinando-o em Badajoz. Humberto Delgado tem assim uma outra faceta que merece o respeito de todos nós: bateu-se contra um regime que não tolerava a liberdade. Por este motivo, a Terceira, que se orgulha do seu passado liberal, não irá certamente envergonhar-se de que, na sua porta de entrada, se ostente o nome de um homem que foi o responsável pela criação do aeroporto e tivesse provocado o maior abalo no regime ditatorial português. Pelas razões evocadas louvo a iniciativa de Francisco Cardoso e o empenho de Vasco Cordeiro em levar a proposta à apreciação do Conselho do Governo Regional.