Opinião

Um político assume-se

Será talvez das melhores obras que li até hoje. Em dois dias, se tanto. Sobre a importância da política. Um político assume-se, escreveu Mário Soares, assumindo-se. Os tempos que se avizinham, como também o tempo presente, necessitam de políticos que se assumam. E nestes nossos tempos que devem ser o mais serenos possíveis, os cidadãos terão então capacidade de analisar a força das ideias e a capacidade de trabalho dos representantes do povo ou dos vários partidos políticos, o empenho das associações, a participação da sociedade civil. Há um passado, que define as pessoas, as organizações, que ajuda a perceber o seu percurso e a coerência das suas posições. Digamos, que tudo se sucede como um apelo à memória, ao trabalho realizado, que legitima ou não o presente dos diversos intervenientes políticos e sociais. O povo saberá julgar se os actuais candidatos políticos se entregaram à causa pública, no Governo ou na oposição, ao longo deste mandato. Se só aparecem agora, quando há eleições, vestindo a capa de políticos, tirando partido da notoriedade da época. (Um político assume-se). Porque surgem nestes tempos, acusações, artigos de jornais bombásticos, greves, reivindicações, críticas aos políticos, e um rol de anomalias colocadas em evidência? Estarão alguns a aproveitar a festa da democracia apenas para passear vaidades, evidenciar ambições, revelar frustrações e sentimentos mesquinhos, repetindo à saciedade um disco recorrente e gasto contra os políticos e a política? É verdade que em tempo de eleições há a ideia errada de que a pressão, a chantagem, a greve, o insulto resultam e compensam? É verdadeira a ideia de que a imprensa está mais permeável e menos criteriosa, apenas olhando para aspectos folclóricos, preferindo a guerra, o insulto, para, em contraponto, e simultaneamente acusar os políticos de baixa qualidade e nível? São as respostas a estas questões que nos devem permitir votar ou não em determinados candidatos, ignorar outros, de ocasião, prestar atenção a alguns artigos e notícias e pura e simplesmente descartar o lixo que é fruta da época. Pus-me a pensar nisto tudo, enquanto lia o livro que aborda uma vida de militância activa, com uma linha de orientação, que muitas vezes se ajustou, outras tantas teve que provocar rupturas para ainda outras se adaptar às realidades que não foram nunca estanques. Foram e são (sempre) mutáveis. As realidades. De Mário Soares. “Um político assume-se, ensaio autobiográfico, político e ideológico.” Livro de 500 páginas que se lê num abrir e fechar de olhos. Bom para as férias. Disse Antero de Quental numa sala do Casino Lisbonense, em Lisboa, no dia 27 de Maio de 1871, durante a 1.ª sessão das Conferências Democráticas: “Que seria dos homens se, acima dos ímpetos da paixão e dos desvarios da inteligência, não existisse essa região serena da concórdia na boa-fé e na tolerância recíproca! Uma região onde os pensamentos mais hostis se podem encontrar, estendendo-se lealmente a mão, e dizendo uns para os outros com um sentimento humano e pacífico: és uma consciência convicta!” Não é verdade? (Um político assume-se).