Opinião

Um Estado em muito mau estado

I. A gente não tem prestado muita atenção mas tudo aponta para que o Estado em Portugal esteja a colapsar. Longe de mim querer parecer alarmista, mas algo que me diz que um Estado que tem metade dos processos judiciais metidos em caixotes, entre os pesa-papéis da Senhora Juíza e as fotografias de família do oficial de justiça, e a outra metade perdida na fibra ótica; um Estado que, um mês depois do início do ano letivo, manda os senhores professores regressarem à casa de partida, cancelando o respetivo processo de colocações e deixando os alunos sem professores e os professores sem escola; um Estado que manda limpar dois pisos inteiros de meios humanos da RTP para neles instalar empresas externas produtoras de conteúdos que depois não conseguem assegurar uma emissão em condições – um Estado destes, dizia eu, só pode estar em muito mau estado. II. Imagino que para os liberais sérios e remediados que nos governam este diagnóstico não seja assim muito preocupante. Eles não só acham que o Estado não foi feito para essas esquisitices e tiques socializantes de assegurar Justiça, Educação e Cultura para todos, de forma organizada e eficaz, como também consideram que fazer melhor só teria sido possível se não tivesse havido um malandrão como o Eng.º Sócrates, esse irresponsável, que deixou o país sem condições para ter vícios. Dito de outro modo, eles acham que o Estado Social não serve os propósitos de uma sociedade aberta, concorrencial e, por essa via, mais capaz de progredir, mas mesmo que, num momento de loucura, o quisessem garantir, não o poderiam fazer por falta de meios. Daí que não me pareça que encarem com especial consternação o caos absoluto que se instalou mais recentemente na Justiça e na Educação, do mesmo modo que não lhes pareceu especialmente chocante a redução dos apoios sociais ou a escalada do desemprego. III. Paradoxalmente, nunca depois do 25 de Abril um Governo promoveu uma carga fiscal tão intensa quanto este governo liberal de Passos Coelho. Do lado da despesa, liberais empedernidos; do lado da receita, convictos socialistas. Do lado das funções sociais do Estado, o mínimo; do lado do financiamento privado do Estado, o máximo. É claro que pelo meio fica a muito apregoada mas nunca começada reforma do Estado. Houve tempo para engrossar a receita, houve tempo para cortar a direito na despesa social e nos custos do trabalho da Administração, mas não houve tempo para definir que Estado queremos com o dinheiro que somos capazes de gerar. Ficámos, pois, com um Estado em desagregação, incapaz de assegurar com eficácia as suas principais funções sociais, financiado por um absurdo nível fiscal e sem qualquer tipo de orientação estratégica futura. Tivemos três anos para brigarmos como cães sobre quais deveriam ser as áreas prioritárias de ação do Estado e acabámos por passar três anos a rosnar baixinho em relação aos cortes e aos aumentos de receita. IV. Em 1973, na então Assembleia Nacional, Sá Carneiro dizia, com coragem, “qualquer Estado moderno é inevitavelmente um Estado social, pois a nenhum poder politicamente organizado é hoje possível deixar de conformar-se com as realidades sociais e tomar a seu cargo a satisfação das necessidades coletivas”. Pena que a Política não é a Genética.• André Bradford