Opinião

Eleições antes do Retificativo

I.As boas notícias contidas na proposta de Orçamento do Estado para 2015 já tinham sido dadas pelo Tribunal Constitucional, quando chamado a pronunciar-se sobre o prolongamento indefinido dos cortes temporários (a contradição nos termos é intencional e nem sequer é da minha autoria). Aliás, a Senhora Ministra das Finanças, na conferência de imprensa de apresentação do documento, não se cansou de adjetivar negativamente o trabalho dos juízes do Constitucional, lamentando não poder reduzir a pressão fiscal porque aquele Tribunal a obrigou a fazê-lo relativamente ao que devia ser temporário. As más notícias, pelo contrário, foram sendo dadas pela comunicação social depois de ter dissecado o conteúdo das sete ou oito pendrives que a Senhora Ministra entregou na Assembleia. Foi assim que ficámos a saber que, apesar do Governo assegurar que não haveria aumento de impostos, a carga fiscal global sobre a economia sobe de 33,6% para 34,5% do produto interno bruto (PIB). Foi assim também que percebemos que, apesar da saída da troika, vamos ter um Orçamento em que o Governo continua a cortar tudo o que pode e a não aliviar aquilo a que não é obrigado. II. Sendo normalmente árido e demasiado técnico, o Orçamento do Estado é, mesmo assim, um documento de estratégia política e, desse ponto de vista, a proposta para 2015 é também um retrato garrido do estado a que chegou o Governo da República. Em primeiro lugar, a fantasia. Nenhuma das instâncias técnicas independentes que já se pronunciaram sobre o documento acredita nas previsões macroeconómicas que serviram de base ao exercício orçamental. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, por exemplo, fala em “elevada incerteza” do cenário desenhado pelo Governo, quer quanto à evolução do PIB, quer no que diz respeito à receita fiscal e às contas externas. Por outro lado, o taticismo. Eu não me atreveria a considerar que se trata de um “texto panfletário de propaganda eleitoral”, como fez Manuela Ferreira Leite, mas que é um híbrido entre a vontade de recuperar eleitorado, um acerto de contas entre os partidos da Coligação e os necessários sinais de bom comportamento para os membros da troika verem, lá isso é. Para os nossos parceiros externos, que – não esqueçamos – continuam à espera do resto do seu dinheiro -, sai uma ou outra dose de subida de impostos setoriais e mais da mesma austeridade, na exata medida que o Tribunal Constitucional permitiu. Já para o eleitorado em fuga sai uma dose ilusória de eventual descida da sobretaxa do IRS em 2016 caso em 2015 o Estado consiga cobrar tanto IRS e IVA como em 2014 (melhor ano de sempre) e mais quase mil milhões! Passaremos todos nós, contribuintes, a funcionar como fiscais das Finanças na vã esperança de que tenhamos, assim, direito a um bónus sob a forma de redução proporcional da sobretaxa. Também neste caso não há quem acredite que seja possível e há mesmo quem, habilitado, diga que o Constitucional vai ter de explicar ao Governo que não se pode fazer orçamentos anuais que disponham para dois anos. E por fim restam os mimos entre parceiros de coligação. É óbvio que quanto mais previsível for a derrota da Coligação maiores serão as tentações, de um e de outro lado, para acertar contas antigas. Passos Coelho aproveitou o que se espera seja o último braço-de-ferro orçamental para deixar Portas e o PP sem possibilidade de remissão perante os seus tradicionais eleitores pensionistas e contribuintes. E Portas ficou irrevogavelmente impossibilitado de salvar a face enquanto governante. III. Resta esperar pelo novo chumbo do Tribunal Constitucional e fazer votos, sentidos e empenhados, para que as Legislativas de 2015 sejam antecipadas para data anterior ao inevitável Orçamento Retificativo.