I. Neste difícil e complexo processo das Lajes nada acontece por acaso.
Não foi por acaso que o Ministro dos Negócios Estrangeiros admitiu, dois dias antes do anúncio americano reafirmando a intenção de reduzir drasticamente o contingente laboral português na Base, que seria “prejudicial para as nossas relações bilaterais que Portugal não tivesse um resultado positivo neste longo e complexo processo”. Tal como não foi por acaso o timing do comunicado norte-americano ou o silêncio religioso do Ministro da Defesa ou de qualquer outro responsável político dessa mesma área de governação.
Fica cada vez mais claro (publicamente, porque quem de alguma forma lida com este assunto há algum tempo já o sabia) que a República, soberana, cheia de si, sobranceira na sua ilusão de ser levada a sério, a República das fardas e dos brinquedos militares com que os outros já não querem brincar – essa República, considera que o problema gerado nas Lajes é dos Açores mas que a oportunidade negocial que ele criou é sua, por direito constitucional e também um pouco por direito divino.
II. Comecemos então pelos timings. Desde a manifestação pública da sua intenção inicial, em 2012, os Estados Unidos já adiaram a decisão definitiva e alteraram o calendário da sua concretização por mais de uma vez, muito graças à pressão política que o Governo dos Açores e os Congressistas de ascendência açoriana conseguiram criar.
É por isso estranho que apenas duas semanas depois de ter sido oficialmente consagrada em lei orçamental mais uma prorrogação da decisão, até que estivesse concluído um estudo específico sobre a reorganização da presença militar americana na Europa, as autoridades americanas anunciem exatamente o mesmo que tinham tornado público em 2012. Acresce que estamos a iniciar um ano eleitoral em Portugal e que, por via disso, o Governo da República deverá atuar com prudência e ponderação acrescidas, até porque, ao que tudo indica, será outra a maioria a governar após Outubro.
Qual terá, então, sido a pressa? Qual terá sido a conjugação de fatores que conduziu a um calendário tão ilógico como desadequado? Será importante para a parte americana concluir o processo com este Governo da República em especial? Com este Ministro dos Negócios Estrangeiros em particular?
III. Depois temos as reações do Governo português. Perante uma manifestação de absoluta desconsideração interesseira da parte dos Estados Unidos, a República fala alto e age baixinho, indigna-se no discurso, mas é complacente e macia nos atos.
Está agora claro que o período que mediou entre o anúncio de 2012 e a confirmação da passada semana não foi aproveitado para qualquer tipo de reconsideração do lado americano. Manteve-se o primado do interesse financeiro e estratégico sobre qualquer tipo de ponderação fraternal. O tempo é, pois, de responder no mesmo comprimento de onda, de forma célere, com os argumentos que nos assistem e com a ousadia própria de quem tem a obrigação de defender o seu povo.
IV. O nosso primordial interesse estratégico é o de dispormos do que é nosso da forma que nos for mais conveniente para obtermos o máximo proveito.
Em termos práticos, isso só pode significar reciprocidade de tratamento em relação aos Estados Unidos. Se querem apenas uma bomba de gasolina, tê-la-ão de acordo com as condições que estipularmos e nós faremos com toda a estação de serviço o que entendermos. Como diz o nosso povo, quando quer ser realista mas não quer ser acusado de interesseiro, amigo não empata amigo.