Três breves lições em grego, mas que têm o seu quê de universal:
1. O voto é soberano.
Sob pressão da Alemanha, das instituições europeias, dos credores, dos comentadores e de tutti quanti, o povo grego relembrou-nos que mais soberano que a dívida é o voto. Podem determinar a percentagem aceitável do défice e a forma de pagamento da dívida, mas não podem (ainda) restringir a liberdade de decisão de quem vota.
Umas vezes por pura arrogância outras com a altivez própria de quem só está à espera que o povo volte à rédea curta, os poderes político-financeiros tentaram sempre convencer pelo medo, concedendo, por isso, um vincado caráter nacionalista ao voto dos gregos. Votar Syriza passou a ser uma questão de orgulho pátrio.
Em boa medida, foi por isso também que o Syriza deu um salto gigantesco de pequena coligação considerada radical de Esquerda para partido de governação, a milésimas da maioria absoluta. Os eleitores habitualmente moderados, por reação àqueles que procuravam regular de fora a sua vontade, transformaram a votação numa questão de ousadia e resistência. E isso é uma novidade na Europa dos mercados e de frau Merkell.
2. A esperança também vota.
Às vezes o racional por detrás da cruz no boletim de voto é tudo menos racional. Às vezes é pura emoção. Aliás, a doutrina, depois de décadas a analisar racionalmente o processo de formação do sentido de voto, já chegou a essa conclusão.
E na Grécia do Syriza a emoção principal foi, a meu ver, a esperança. Não enquanto crença infundada num devir gerido sobrenaturalmente, mas antes uma esperança feita de coragem e determinação. Os gregos decidiram confiar na sua capacidade de fazerem a diferença.
Presumo que ninguém terá votado no Syriza na convicção de que o mundo se ajoelharia perante as exigências de Tsipras, mas votaram certamente com a crença de que o novo Primeiro-Ministro grego não se furtará a ser porta-voz do sentir do seu povo. E isso faz toda a diferença.
Os céticos que gerem o sistema julgam que tudo se resumirá a resultados, convictos de que as instituições europeias e os credores não quererão fazer de Tsipras e do Syriza um exemplo bem-sucedido. Eu, por mim, acho que é mais uma questão de compromisso. Se Tsipras for o que prometeu, os resultados serão o menos importante.
3. O centro é o novo radicalismo.
O sistema fará tudo para tornar o Syriza mais radical do que o que alguma vez terá sido, mas o programa eleitoral que os gregos validaram por clara maioria é tudo menos extremista.
Antes de mais, começa por dizer que o pagamento da dívida deve estar indexado ao crescimento económico – perigosos extremistas?! Se a economia crescer, a Grécia abate a dívida proporcionalmente; se não crescer, os credores vão ter de esperar mais um pouco, porque as pessoas terão de comer para poderem fazer crescer a economia, para então poderem pagar.
Depois, advoga a compra direta de dívida europeia pelo Banco Central Europeu, coisa que o Senhor Draghi, insuspeito de radicalismo, subscreveu mesmo antes da eleição na Grécia. E acrescenta a exclusão dos investimentos públicos das restrições do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que até agora só é permitido aos países que respeitem défice de 3% do PIB.
É, portanto, óbvio que se trata de um programa moderado, de bom senso e que mais não faz do que propor a troca da austeridade pelo incentivo económico. Nesta história os radicais são os outros, os que falam em “contos para crianças”!
NOTA FINAL
Recebi, na volta do correio, uma carta de um leitor. Sem querer que o conheça, o signatário diz que me conhece. Acha, numa linguagem passadista, que eu não “fui criado” para escrever as coisas que escrevo. Ora, é por causa disso mesmo que eu escrevo as coisas que escrevo.