Não estamos em agosto. Não estamos em novembro. Há certas datas que só vale a pena lembrar por causa de eventos significativos que nelas tomaram lugar e outras que, para além disso, merecem realmente uma celebração. Vale a pena lembrar o 13 de agosto de 1961, quando foi erguido o Muro de Berlim – na altura representado por quilómetros infindos de gradeamento metálico, mais de trezentas torres de observação, mais de cem redes eletrificadas e a presença constante de cães de guarda. Vale a pena lembrar por ser uma das horas menos felizes da Humanidade.
E vale sempre a pena celebrar o 9 de novembro de 1989, o dia em que o Muro caiu, deixando uma herança a memória de cerca de oitenta mortos, mais de cem feridos, milhares de presos em tentativas de fuga e incontáveis famílias separadas.
O Muro de Berlim representou fisicamente a Guerra Fria, a separação entre Este e Oeste, entre os chamados “blocos” de índole comunista e capitalista. Na decorrência do final da Segunda Guerra Mundial, que vitimou cerca de 40 milhões de pessoas, o Exército Vermelho russo ocupou Berlim, entendida como despojos de guerra. A obrigação de que os russos “entregassem” 2/3 da cidade aos restantes Aliados foi o início da tensão bilateral, já que era entendimento na altura que Berlim, como capital da Alemanha, deveria ter administração conjunta.
Não foi preciso muito para que a separação física e ideológica se tornasse cada vez mais demarcada mantendo, de um lado, França, Inglaterra e Estados Unidos e, de outro, a Rússia. O esvaziamento de cada vez mais alemães de Berlim Oriental para Berlim Ocidental (cerca de três milhões de alemães abandonaram um lado pelo outro no espaço de 11 anos) fez com que o “lado russo” se visse cada vez mais desprovido pessoas e de força laboral, forçando-o, desse modo, a tomar medidas drásticas, sob a mão de Walter Ulbricht, a mente que concebeu a ideia do Muro de Berlim.
Foi construído do dia para a noite. Surpreendeu todos. Separou famílias. Pôs seres humanos a viver sob o jugo de uma Schießbefehl, uma ordem para matar. Foram 28 anos em que a Humanidade esteve de costas voltadas. Primeiro com grades, depois com a opacidade do cimento que nem permitia que inúmeras famílias se olhassem, ainda que de longe.
Li recentemente que Duarte Freitas comparou a liberalização do espaço aéreo dos Açores à queda do Muro de Berlim. Incorreto e inadequado. Digo-o de Duarte Freitas como o diria de qualquer pessoa que cometesse a infelicidade de afirmar o que o líder do PSD/A afirmou, por mais que se quisesse referir apenas a efeitos económicos. Revela uma ligeireza insensível e irresponsável para com a História e para com quem por ela passou, tudo em prol do soundbite e da parangona no jornal do dia seguinte. E “salvaguardar a dimensão das duas realidades” não é suficiente. Não há nada que justifique uma comparação bizarra desta natureza.
No dia em que Duarte Freitas me conseguir dizer quando é que, nos Açores, antes da liberalização do espaço aéreo, se urdiu algo remotamente semelhante a uma Ordem 101, que autorizasse matar quem ousasse transpor as nossas “fronteiras” e viajar até aos Estados Unidos para visitar os seus familiares, por exemplo, aí dar-lhe-ei espaço para arguir razão nesta matéria. Até lá, vou considerar esta “saída” inditosa de Duarte Freitas como mais um episódio infeliz…a juntar ao rol.