Opinião

Sim! É mesmo uma questão ideológica!

A discussão parece interminável, aborrecida e repetitiva – provavelmente até é! – mas nem por isso deixa de ser muito importante realizá-la nos termos corretos. Sim! Falo das razões da crise das dívidas soberanas, dos motivos das medidas de austeridade ou da questão da dívida pública. O fim das quotas leiteiras… Trago-vos esta matéria a propósito de um conjunto de reuniões em que estive presente, no Parlamento Europeu (PE), para debater um assunto que aparentemente nada tem a ver com a crise económica que estamos a atravessar, nem com as opções que têm vindo a ser tomadas a nível económico, refiro-me ao fim do regime de quotas leiteiras na União Europeia. Nada mais errado! Enquanto participava nas várias reuniões de trabalho - com o European Milk Board, na reunião extraordinária da Comissão de Agricultura do PE sobre o impacto do fim do regime de quotas leiteiras e com a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) - espantado com a irracionalidade de toda a discussão, lembrava-me de uma frase repetida, sucessivamente, por um amigo meu: “às vezes esquecemo-nos que quem manda na União Europeia é a direita que se estuda nos livros e não aquela que conhecíamos em Portugal há 5 anos atrás”. Manda na Europa quem acha que o Estado não deve estar presente, enquanto agente interveniente, na economia e, apenas presente, num grau muito reduzido, na regulamentação dos mercados. Manda na Europa quem acha que a gestão privada é sempre melhor do que a gestão pública, independentemente do facto do início da crise ter começado no coração da iniciativa privada, ou seja, na banca. Manda na Europa o burocrata ideólogo, que não compreende lógica matemática em palavras como: redistribuição, solidariedade ou serviço público. Sim! Não nos apercebemos da irracionalidade totalitária ideológica de quem nos governa aqui e na União Europeia, porque fomos estupidamente convencidos, por essa tal direita, num aproveitamento muito próprio do sentimento de culpa e de glorificação da pobreza criados pelo Estado Novo, de que a crise que atravessamos está ligada ao facto de termos gasto mais do que aquilo que tínhamos e podíamos. Ou seja, que as razões para tudo isto, estavam relacionadas com o facto de termos gasto à “tripa forra”, não só o Governo anterior, mas todos nós, que gastámos – irresponsavelmente - rendimento naquelas férias, na compra da casa ou do carro de que precisávamos ou até, como um deputado do PSD nos acusou um dia, no facto de termos todos frigorífico em casa. De facto, fomos todos inconscientes e irresponsáveis!... Devíamos ter poupado tudo o que podíamos! Em prol do saldo positivo da balança comercial e guardado tudo no banco, já de vez, no BES, que era e é privado – o bom e o mau, pelo menos é o que Passos Coelho diz!... – portanto, exemplo garantido de seriedade e da boa gestão dos dinheiros, pelo menos era o que o Presidente da República dizia!... Sim! Essa irracionalidade que não me cansa de espantar, que apregoa o caminho único do calvário do pagamento do défice e da dívida, é a mesma que perante 300 eurodeputados no Parlamento Europeu afirmou, em nome da Comissão Europeia, que não havia crise alguma no mercado do leite na União Europeia e que o fim das quotas leiteiras era o caminho correto, isto, apesar do preço ao produtor ter descido 25 % nos últimos meses na Europa, da maior parte das associações de produtores e industriais acharem que caminhamos alegremente para o abismo e de certos países anunciarem um aumento de produção em 50% quando, no atual regime, temos já um excedente de 12 mil milhões de litros. “O mercado resolve! Exportem! Os que são ineficientes que fechem, os que são bons vão sobreviver!“ Foram as palavras alheadas dos representantes da Comissão Europeia que originaram fortes críticas do relator da comissão parlamentar. Sim! De facto esquecemo-nos, envolvidos que estamos em acusar o nosso umbigo da crise, que nos foi imposto uma agenda ideológica que em nada nos beneficiou económica ou socialmente. Cumprimos a agenda da direita quase na perfeição Aceitámos privatizar praticamente tudo, mesmo o que dava lucro, ironicamente, a favor de empresas públicas estrangeiras. Abdicámos do poder de intervenção em empresas estratégicas para o país causando o seu desmantelamento. Destruímos uma classe média provocando pobreza e um novo ciclo migratório. Criamos o caos social. Tudo em nome do controlo do deficit quando vemos hoje a dívida agravar-se exponencialmente e o país, a todos os níveis, pior do que estava antes da crise. Percebemos hoje que havia, e há, alternativa …