Opinião

O debate

I. Logo ao início da noite, quando se sentar em frente ao seu televisor, caro leitor indeciso, para assistir ao mitificado debate Costa/Passos, já a Coligação lhe cantou, para mais de mil vezes, a lengalenga do papão socialista que há cerca de quatro anos lhe terá desgraçado a vida. Eles querem que pense que vai ter de escolher como se regressasse ao verão de 2011 - altura em que, como talvez se recorde, o PSD não aceitou viabilizar um novo Pacto de Estabilidade e Crescimento, já negociado e aprovado em Bruxelas, porque o achava demasiado penalizador para os portugueses (mas essa parte eles não lhe vão recordar). Querem que se fixe na ideia - primária e propagandística - de que, com o PS, não interessam os nomes, as caras ou as políticas, não interessam as medidas, as opções e os compromissos. Com o PS, dizem eles, estaremos sempre no verão de 2011 – naquela tal altura que eles acharam que era ideal para chegarem ao poder. Quando se sentar, logo ao início da noite, em frente ao seu televisor, eles não querem, caro leitor, que raciocine, que analise e julgue os homens e as políticas que vai ter em confronto. Querem, antes, que de um lado veja, acriticamente, o futuro de sol brilhante, e do outro o fatídico e para sempre marcante verão de 2011. II. Eu gostava, caro leitor indeciso, que se lembrasse que entretanto passaram quatro anos e que já estamos no verão de 2015. Gostava que se começasse por lembrar que, naquele tal verão de 2011, lhe disseram que o país podia e iria melhorar sem ser necessário impor cargas tão violentas de sacrifício aos portugueses, sobretudo àqueles que menos podiam. Gostava que, depois, comparasse esse discurso com o que passou nos quatro últimos anos. Com os cortes salariais, com as reduções nas pensões e reformas, com os golpes indiscriminados nos apoios sociais, com as vendas a pataco de ativos públicos, com as contribuições extraordinárias a nível fiscal e para o sistema e subsistemas de segurança social. Gostava que acrescentasse a essa reflexão o tom e o modo como a governação o tratou na última legislatura. A forma como lhe disse que gastou demasiado, que foi irresponsável, que não merecia o que tinha. O modo como o transformou num número, sempre excessivo enquanto beneficiário e sempre insuficiente enquanto contribuinte. Gostava, por fim, que, ao contrário do que eles pretendem, fizesse o seu juízo de forma livre, empenhada e responsável, pensando no país que somos, no que temos pela frente e na melhor forma de o enfrentarmos. III. Logo, ao início da noite, quando se dispuser a assistir ao debate entre António Costa e Passos Coelho, caro leitor indeciso, o que conta é o seu juízo sobre o estado atual e o futuro do país. Não a história que lhe andam a contar para não terem de justificar os seus próprios erros. Não os cartazes, mais e menos felizes ou mais e menos conseguidos. Não os dramas da vida pessoal ou as amizades deste ou daquele candidato. Não, o que conta é o que o acha que deve fazer com o seu voto para melhorar o país onde vive e as suas próprias condições de vida. Talvez nunca como agora, desde os períodos quentes de envolvimento cívico pós-25 de Abril, foi tão necessário ponderar política, cívica e moralmente o seu voto, caro leitor. IV. O medo encolhe a latitude do pensamento e torna mais fácil acreditarmos naquilo que tememos. O medo, que é natural e próprio dos corajosos, enquanto instrumento político só serve aqueles que receiam as consequências do livre pensamento. Quem nos incute medo tem, em geral, mais medo do que nós. E o medo da Coligação, que é simultaneamente a sua arma, caro leitor indeciso, é que avalie o verão de 2011 à luz do outono de 2015.