Opinião

A governanta

A fada do lar foi eleita a mulher do ano por Paulo Portas. Que domingo fechou as portas que abril se esforçou por abrir. Durante séculos as mulheres praticamente não existiram em Portugal. A sua única aspiração era o casamento que lhes daria salvo-conduto para um estatuto de fada do lar. Não votavam, não pensavam, não contavam. E necessitavam até de autorização do marido para se ausentarem do país. Imaginemos hoje o que isso era. Temos de nos esforçar, mas para o vice-primeiro-ministro deste cândido país não é assim tão difícil. Porque pensa que a mulher ainda é o que era. A zeladora incansável do bem-estar da família, a exímia gestora da economia familiar. Que, como o governo da coligação, tem de “organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos”. Não sei se Portas se estaria a lembrar da parte do cortar as pensões de velhice e mandar emigrar os novos? Salazar dificilmente diria melhor. Para o governante a mulher é uma governanta. Qual fada do lar aprumada. Que se dedica a polir, que lava e encera, que cozinha e abrilhanta. Uma carochinha de vassoura em punho. E uma devota contribuinte para o sorriso do marido ao final do dia. Zelosa gestora doméstica, a quem a sociedade exime de outras responsabilidades. A mulher invisível, que a sociedade portuguesa perpetuou durante décadas cinzentas, foi ressuscitada por Portas. Alheio ao mundo em que vive, desprezando as conquistas da mulher na sociedade portuguesa, já vertidas na Constituição que, necessariamente, jurou cumprir. Conservador já sabíamos que era, tão retrógrado é que não. Ao antigo diretor d’ O Independente bastaria pensar no exemplo da sua própria mãe para clarear o olhar. Há sempre cegos que não querem ver. Que o possa pensar é assustador, que o chegue a dizer é verdadeiramente desastroso. Portas acabou de eleger a mulher do ano. E acabou de ajudar a decidir o sentido de voto das mulheres indecisas.