Opinião

Órfãos dos filhos

Temo que chegue a altura em que ficamos órfãos dos filhos. Assisto à metamorfose na vida de amigas. A de lidar com crianças que crescem desenfreadamente, sem pedir licença para saírem definitivamente dos nossos colos, onde antes se aninhavam. Crescem com aquela alegre euforia de quem desbrava o desconhecido. Contentes só por isso. Crescem convencidas da sua temível insuperabilidade. Crescem aos solavancos. De um dia para o outro, centímetros. Crescem por surtos. O das borbulhas permanece. Sentam-se, um dia, ao teu lado no sofá e dizem coisas que te fazem pensar que já não precisas de lhes mandar lavar os dentes. Criticam as tuas decisões com fundamento. É então que nos perguntamos onde estávamos enquanto a criatura crescia? Procuramos o triciclo. A boneca preferida tem o cabelo todo enriçado. A criança obedeceu ao ímpeto hormonal. Em breve estarás no gradeamento da blue zone farejando os sinais da animação. Uma fila de carros bocejante enche-se de pais da mesma tribo. Entre gargalhadas e segredinhos saem das aulas indistinguíveis no uniforme geracional. Na vegetação de cabelos descobrimo-lo. Acenamos em vão. Entrará no carro de telemóvel em punho, como se deste comando moderno dependesse o reposicionamento do eixo da terra. Amamo-lo ainda nos pequenos gestos. Amá-lo-emos sempre, apesar das guinadas do caminho. Apesar das estações, do zika, e dos bués. Eles são deles mesmos, não são nossos. Se calhar nunca o foram. Vamos ficando desenlaçados dos seus passos. Já não te querem ver à saída do pavilhão. Trocam-te por um sósia com o mesmo pullover da Pull&Bear noutra cor. Correm a porta do esconderijo. Internam-se nas redes sociais. Os teus tweets esbarram em muros intransponíveis. O gongo anuncia a retirada. Nada de apertar as bochechas. Recuar um passo. Aceitar ser figurante na peça das suas vidas. E, de olhos vítreos, assistir ao leve bater de asas, num misto de orgulho e de decepção.