Opinião

Um Brinde aos Vinhos do Pico

Guardo uma deliciosa memória de infância de quando toda a família se reunia na adega do meu avô Júlio para fazer a vindima. No final, depois de apanhadas as uvas, os mais novos eram chamados a entrar para o lagar e, em euforia, cumpríamos dedicadamente a tarefa de esmagá-las com os pés. Entre atropelos e risadas, assistíamos entusiasmados ao jorrar do sumo da uva por entre os cestos e provávamos, em êxtase, o primeiro “vinho doce” acabado de espremer como se de um verdadeiro néctar se tratasse. À distância dos anos, quando recordo esses dias, pareço voltar a sentir os respingos do sumo da uva na pele, os cheiros e os sabores de então. E sinto saudades. Do tempo, das pessoas, das sensações. Hoje, sinto curiosidade e necessidade de saber mais sobre os vinhos do Pico, não fosse esta uma atividade que marcou profundamente a nossa história e sem o conhecimento da qual não é possível a compreensão da verdadeira génese e alma das gentes picarotas. Depois de algumas pesquisas, iniciei a minha viagem com uma visita à Comissão Vitivinícola Regional dos Açores, sediada no Pico. Fui gentilmente recebida pelo seu Presidente que, durante algumas horas, guiou os meus sentidos numa intensa descoberta sobre o nosso vinho, as suas estórias e mistérios. Bebi cada uma das suas palavras assim como bebi o vinho que generosamente me ofereceu quando chegado o grande momento de aprender a fazer uma prova. O mais amadoramente possível, na perspetiva de quem pretende apenas tirar o maior prazer do vinho que está a provar no momento, segui à risca as instruções. Observei o vinho, agitei o copo num cuidadoso movimento circular, inspirei profundamente, provei fazendo o vinho rolar suavemente na boca, inspirei pela boca fazendo o ar atravessar o vinho (engasguei-me), expirei pelo nariz, saboreei… Confesso que fui surpreendida pelas sensações. Provavelmente influenciada pela conversa que havia antecedido aquele momento, a verdade é que consegui perceber claramente as características de que tanto ouvira falar. A frescura, a acidez, a mineralidade da rocha vulcânica, a salinidade, o terroir do Pico…Recuei no tempo e imaginei o esforço dos homens e mulheres que de um imenso chão de pedras ergueram currais e do solo inculto fizeram brotar os mais raros vinhos que ganhariam fama além-fronteiras. Aprendi que uma garrafa de vinho, quando aberta, deve contar uma história. É essa a magia do mundo dos vinhos! E nós temos, orgulhosamente, uma história com 600 anos de cultivo e produção de vinhos numa paisagem elevada ao estatuto de Património Mundial da Humanidade pela Unesco. Uma história que continua a ser escrita. Na verdade, vivemos um novo momento de grande importância para a vitivinicultura na Ilha do Pico. Só nos últimos quatro anos foram recuperados mais de 700 hectares de vinha, numa demonstração clara da dinâmica dos produtores locais, que utilizam os mecanismos de incentivos disponibilizados pelo Governo Regional dos Açores, verificando-se desde então um apoio global ao investimento que ultrapassa os 19 milhões de euros. A viticultura na ilha do Pico está nas mãos de pequenos proprietários e, através destes apoios, potencia-se a iniciativa empresarial, possibilita-se a criação de emprego, alavanca-se a economia local, projeta-se a ilha e os Açores no exterior com a produção de vinhos reconhecidos internacionalmente, não podendo ser ignorado o facto de que 90% dos vinhos certificados dos Açores são produzidos na Ilha do Pico. O caminho a trilhar deverá manter, na opinião de uma leiga e sem qualquer tipo de pretensão, o foco nas castas tradicionais – Verdelho, Arinto e Terrantez do Pico –, a garantia dos apoios financeiros e técnicos aos viticultores e a aposta no dinamismo do setor assegurando a sua necessária competitividade. As restantes condições necessárias, a ilha oferece-as disponibilizando uma combinação de fatores singulares que permitem a produção de vinhos de excelência. Consciente do muito que ainda há para aprender, continuarei a minha viagem de descoberta pela extraordinária história dos vinhos do Pico, acompanhando de perto as páginas que ainda estão por escrever. Enquanto isso, embriagada pelo entusiasmo, brindo ao Pico! A quem fomos, a quem somos e a quem queremos ser! À nossa!