Opinião

Alô, Dr. Ventura? “Distrital” Açores, escuto!

O título até podia ser meramente sarcástico, mas infelizmente não é. A Autonomia, defendida inclusivamente pelos monárquicos de conveniência que surgiram por aí nos tempos mais recentes, passou a ter um perigoso inimigo dentro de portas. Refiro-me, obviamente, ao Chega. Este partido, feito à medida e vontade unicamente do seu criador, rege-se, entre muitas outras patifarias, pelo ódio e desprezo às Autonomias. Na página eletrónica do partido, os Açores merecem o mesmo tratamento de Bragança, Leiria ou Santarém, isto é, são todas distritais: “DISTRITAL DOS AÇORES”!!! Continuando nesta senda com odor bolorento, não admira que nos Estatutos do referido partido se refira que eventuais estruturas nos Açores e Madeira sejam denominadas “Seções Regionais”; ou que  conste que compete à direção nacional (eufemismo de André Ventura) “aprovar as listas de candidaturas aos governos e parlamentos regionais”!!!; ou que compete também à direção “Coordenar a atuação dos órgãos regionais do Partido, apreciar a sua atividade e propor ao Conselho de Jurisdição Nacional a sua dissolução em caso de manifesta violação do Programa ou dos Estatutos do Partido, convocando imediatamente a respetiva assembleia para eleger novos órgãos”!!!; ou ainda que compete ao Presidente da direção nacional “Apresentar publicamente a posição do Partido “CHEGA” sobre as matérias da competência da direção nacional” e “Representar o Partido perante os órgãos de Estado e os demais Partidos”. A outro nível, tenhamos sempre bem presente que o Dr. Ventura plasmou logo no artigo 1.º dos seus estatutos que “O Partido ‘CHEGA’ nasce da legítima aspiração do Povo Português em construir uma nova República”. E daqui temos de, para efeitos de total compreensão do que está em causa, passar para o projeto de revisão constitucional apresentado pelo Dr. Ventura. E, então, o que consta nesse projeto para se “construir uma nova República”? O País sonhado pelo Dr. Ventura teria uma quase revogação integral do capítulo ínsito na Constituição relativamente aos direitos, liberdades e garantias por forma a incorporar “coisas” como pena de prisão perpétua; pena coerciva de castração química ou física para condenados pela prática de crimes de índole sexual e trabalhos forçados para prisioneiros, entre outras atrocidades civilizacionais! No campo político, no País do Dr. Ventura não haveria lugar à garantia constitucional da autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira; seria dada abertura a outras formas de governo (monarquia?); o semipresidencialismo atual daria lugar a uma espécie de Presidente da República em versão musculada de líder da nação;  os membros do Governo teriam de ser de “raça pura” (nacionalidade portuguesa originária), etc.. No campo económico e fiscal, destaque para o fim da progressividade fiscal no país do Dr. Ventura. Por fim, no domínio da solidariedade social, teríamos um estado minimalista e uma verdade caça às bruxas no RSI e outros apoios sociais fundamentais. Feita esta apresentação do Chega, cujo presidente e única voz do partido (segundo o próprio) até aparecia nos cartazes ao lado do representante da “distrital Açores”, julgo ser legítimo deixar no ar a seguinte pergunta: querem mesmo fazer dos Açores um parque experimental da “nova República” do Dr. Ventura?