Opinião

Para lá do confinamento

Em março de 2018, longe de sabermos que uma nova “peste” se abateria sobre a terra habitada, num artigo publicado neste jornal, a propósito dos Gerontocómios, estas estruturas apelidadas de Lares, Residências Assistidas, abandonado que foram os depreciativos epítetos dados aos Asilos nalguns casos adjetivados de Mendicidade, e das Casas de Repouso, eufemismo de depósito de repouso forçado como prémio de uma vida dedicada; referi naquele artigo de opinião que existem dois tipos de solidão.

A solidão escolhida por opção, sem entrarmos nas bases da psicanálise e a solução imposta quando se sofre o isolamento sempre que os outros que gostaríamos de ver e conviver, não estão presentes, ou estão impedidos de estarem por várias razões; e as agora associadas às medidas de segurança sanitária.

As mudanças sociais associadas ao fenómeno da institucionalização, dos nossos gerontes, não serão aqui referidas, porque esta matéria complexa, que não se quer associada a evolução civilizacional, mas a algo que acontece na sequência de um modelo social que falha frequentemente no apoio aos idosos.

Serão várias as causas e vários os efeitos colaterais que merecem reflexão e atuação.

Quem acompanha de perto a evolução desta pandemia, nomeadamente ao que aos idosos institucionalizados diz respeito, verifica que a maior vulnerabilidade não está nas barreiras, mas nas pessoas, não está nos idosos, mas nos cuidadores, não está nos Lares, mas na comunidade que, cada vez mais exposta; a maior perigo os expõe.

Já não bastava a tal solidão imposta, agora vivem ainda mais isolados e sozinhos, sem presença dos afetos desejados, e morrem sem despedida.

Estão sós, mas não estão isolados nem imunes ainda.

Circulam e cuidam deles pessoas a quem não é imposto este isolamento, nem o contato com aqueles que gostariam de ver e ouvir. Obviamente que aos cuidadores se exigem cuidados especiais, mas também é verdade que neles estará o maior risco de contágio, dadas as características dos seus cuidados.

O que se está a passar na nossa comunidade, é alarmante.

Isolaram-se os vulneráveis mas não se conseguem isolar os vulnerantes positivos.

Como foi possível que numa primeira fase se aceitassem quarentenas obrigatórias em unidades de alojamento hoteleiras ou outras como medida mais eficaz de contenção da transmissão viral e se deixou ao critério de cada um isolar-se em quarentenas obrigatórias em regime domiciliário coabitando com uma família que tem que partilhar todas as instalações da casa, na pior das hipóteses até participar nas tarefas de um quotidiano e umas fugas à rua?

Como foi possível não se ter a coragem de considerar esta doença altamente contagiosa e propor isolamento controlado dos infetados? Temos hotéis vazios, temos alojamentos locais vazios e tivemos tão poucos casos no início que podiam ter ficado devidamente isolados.

Laxismo, foi o que foi, contradição retórica de quem defendia excesso na ação e ficou-se pela intenção e pela “reprise” de cercas sanitárias que todos sabemos não têm eficácia pretendida a não ser penalizar os cumpridores e a economia no seu todo porque mais do que alguém não cumprir, alguém mais responsável ainda, optou por não fazer cumprir.