A propósito da aprovação, pela Assembleia Legislativa Regional do Açores, do último Estado de Emergência decretado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Grupo Parlamentar do PS apresentou uma declaração de voto que é do seguinte teor:
“O Grupo Parlamentar do Partido Socialista/Açores, ao abrigo do disposto no artigo 89º, n.ºs 1 e 3, do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, apresenta a seguinte Declaração de Voto ao Parecer sobre o pedido de autorização do Senhor Presidente da República para a renovação do estado de emergência, solicitado pela Assembleia da República, no dia 12 do corrente.
Do Sentido de Voto
1. O GPPS/A vota no sentido de o parecer da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ser favorável à renovação do estado de emergência, por considerar que a preocupante evolução da situação epidemiológica que se vive nos Açores, - e que se agravou substancialmente desde a última vez que esta Comissão reuniu para dar parecer sobre a prorrogação do estado de emergência -, impõe a adoção de um conjunto de medidas, as quais, segundo o entendimento dominante, apenas pode ser conseguida no âmbito do estado de emergência.
2. A necessidade e urgência de medidas mais determinadas e mais eficazes é uma imposição da situação de relativo descontrolo da pandemia que se vive nos Açores. Essas medidas têm o seu fundamento legal seguro na declaração do estado de emergência. Por isso, é, desde logo, pela necessidade de dar ao Governo Regional os instrumentos para fazer o que se impõe, que o Grupo Parlamentar do PS/A vota a favor da renovação do estado de emergência.
3. É um facto que não é a simples existência do estado de emergência que garante a existência das medidas que se afiguram imprescindíveis. Essa parte fica, como sempre ficou, à conta da diligência, competência e capacidade dos que têm o dever de as delinear e executar. Mas com o seu sentido de voto, o GPPS/A pretende significar, ainda, e mais uma vez, que não será por sua causa que o Governo Regional deixará de estar dotado das possibilidades que o estado de emergência garante.
4. No demais, e para todos os efeitos, damos aqui por reproduzido o teor da nossa declaração de voto apresentada no âmbito da última renovação do estado de emergência, a qual – declaração de voto-, se encontra até reforçada.
Uma discordância
5. Não obstante o que atrás ficou dito, há um aspeto no qual o GPPS/A, não só não pode acompanhar os termos do decreto sobre o qual versa este parecer, como está frontalmente contra os mesmos.
6. Trata-se da alínea 3) do Ponto 6º, a qual tem o seguinte teor: “Em caso algum pode ser posto em causa o princípio do Estado unitário ou a continuidade territorial do Estado.”
7. As razões para a nossa discordância é o que procuraremos esclarecer a seguir.
O Princípio do Estado Unitário... E o resto?!
8. Salvo o devido respeito a melhor opinião, a forma como é referenciado o princípio do Estado unitário nessa norma é profundamente infeliz.
9. Na verdade, não entrando em considerações teóricas sobre a questão do princípio do Estado unitário, e reportando-nos, apenas, à sua positivação no artigo 6º da Constituição da República, não deixa de ser curioso notar que aquilo que, supostamente, se pretende salvaguardar é apenas esse mesmo princípio do estado unitário, e não já toda a extensão de valores que esse artigo consagra. A saber, o fato de, mesmo sendo unitário, o Estado dever respeitar o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.
10. A seletividade dos valores a salvaguardar na norma da alínea 3) do ponto 6º do Decreto do Estado de Emergência, muito embora só possa encontrar uma justificação fatual na tensão verificada entre os Governos Regionais e o Governo da República nos primeiros tempos da pandemia, não deixa de merecer, pelo menos da nossa parte, a mais veemente censura e discordância.
11. Censura porque parece-nos não ser esta a forma, não ser este o tempo, nem, em bom rigor, existirem efetivas e substantivas razões de facto para, nesses termos, sinalizar a importância da unidade do Estado. Mais ganharia o Senhor Presidente da República e o Governo da República, e, já agora, a própria unidade do Estado, se, ao invés dessa formulação sobranceira, se criassem canais de comunicação permanentes e fluidos entre todos para benefício de todos.
12. Discordância porque, salvo o devido respeito a melhor opinião, pura e simplesmente, não está, nem nunca esteve, em causa a unidade do Estado!
13. A tudo isto acresce uma outra circunstância, e que é as dificuldades, os escolhos desnecessários, que uma previsão desse tipo coloca no caminho da atuação das entidades regionais, desde logo, do Governo Regional. O que é pôr em causa o estado unitário numa situação de estado de emergência por causa da pandemia? A definição, pelos governos regionais, de medidas diferentes, mesmo que mais restritivas, - mas sempre dentro das possibilidades do estado de emergência-, coloca em causa o princípio do Estado unitário? Podem os Representantes da República obstaculizar medidas que os Governos Regionais pretendam implementar porque acham que as mesmas podem atentar contra o princípio do Estado unitário? E o Estado pode dar-se ao luxo de ter esse tipo de dúvida, de hesitações, exatamente, numa situação de Estado de emergência?
14. Estamos convictos que não! E, igualmente, estamos convictos que o potencial de problemas que essa norma coloca é bastante superior aos pretensos benefícios ou cautelas que dela querem que resulte. Não temos dúvida em afirmar que este é um risco, esta é uma norma que o Governo Regional não tinha necessidade, nem tem necessidade que se lhe atravesse no caminho e que lhe complique o trabalho.
A Continuidade Territorial
15. Não se bastando com a invocação, despropositada e sobranceira, do princípio do Estado unitário, o Decreto sobre que nos temos vindo a pronunciar, invoca, também, com idêntico despropósito e acrescida sobranceria, a continuidade territorial.
16. Como? Porquê? Em que termos? Com que propósito? Tudo isto são questões que é legítimo colocar face a uma matéria dessa importância e dessa delicadeza.
17. O que não escapa, porém, é a suprema ironia de assistir à invocação da imperatividade da continuidade territorial durante uma situação de pandemia na qual o distanciamento é a forma mais eficaz de a prevenir, quando, em situações normais, o mesmo Estado faz tábua rasa dessa continuidade territorial, seja em relação a funções de soberania, como o acesso à Justiça, seja noutras matérias, como é o caso dos transportes.
“Jogar às escondidas” com o Estado unitário e com a continuidade territorial
18. Não fosse tudo o que atrás ficou dito para justificar a posição do GPPS/A em relação a esta matéria já suficiente, e teríamos ainda de invocar uma outra situação bem demonstrativa da irracionalidade, despropósito e falta de sentido do teor dessa norma da alínea 3) do ponto 6º do Decreto em análise.
19. Como atrás já se referiu, este decreto é o 9º em que se pretende que seja decretado o estado de emergência. Por isso, consideramos importante verificar em que termos é que essas referências à necessidade imperiosa de salvaguardar o princípio do Estado unitário e a continuidade territorial tiveram guarida nas vezes anteriores.
20. Ora, basta a consulta aos Decretos do Senhor Presidente da República relativos a esta matéria para percebermos que norma idêntica existiu no 1º[1], 2º[2] e 3º[3] decretos de estado de emergência, desapareceu completamente dos 4º[4], 5º[5], 6º[6], 7º[7], e 8º[8] decretos, e, agora, reaparece, em todo o seu esplendor, neste 9º decreto.
21. Mas, então, que ameaças, que receios, que suspeições levam a esse “jogo às escondidas” com o princípio do Estado unitário e com a continuidade territorial? O que aconteceu em março e abril que levou a que essa norma constasse? O que aconteceu em novembro e dezembro para que essa norma não constasse? E o que está a acontecer agora para que ela volte a constar?
22. Tudo isto leva à conclusão de que a integração desta norma no Decreto do estado de emergência é totalmente desprovida de sentido.
23. É desprovida de sentido porque, aquilo que com ela se pretende, embora relacionado com o estado de emergência, não é nenhum comando jurídico, mas um sinal político. E isso não tem, -nem deve ter! -, guarida num decreto que verse sobre o estado de emergência. Este aspeto levar-nos-ia por outras dissertações, as quais, por economia de tempo, deixaremos para outra ocasião.
24. É desprovida de sentido, por último, porque não existem razões de facto, e muito menos de direito, que suscitem uma norma deste tipo”.