Tal como esperava, António Costa decidiu “passar a bola” dos diplomas sobre os apoios sociais para os juízes conselheiros do Palácio Ratton. O primeiro-ministro anunciou, na passada quarta-feira (dia 31 março), que o Governo vai suscitar a fiscalização sucessiva junto do Tribunal Constitucional dos diplomas sobre apoios sociais, no âmbito da pandemia de Covid-19, aprovados pelo parlamento com os votos contra do PS e recém promulgados pelo Presidente da República. Logo a abrir a comunicação pública, António Costa explicou “as regras do jogo”. Disse, e bem, o seguinte: “Entendo ser meu dever solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação das normas aprovadas pela Assembleia da República que considero inconstitucionais. Trata-se do exercício normal das minhas competências, no quadro do princípio da separação e interdependência de poderes consagrado na Constituição, ou seja, como muito bem sintetizou o senhor Presidente da República: É a Democracia e o Estado de Direito a funcionarem.” António Costa optou, compreensivelmente, por citar a “parte benigna” da explicação do Presidente da República para ter procedido à promulgação. Mas, na verdade, todos sabemos que a promulgação não foi assim tão benigna. O juízo efetuado foi eminentemente político. Por isso, sem entrar muito a fundo nesse campo, Costa fez muito bem em saltar para o lado jurídico. Até porque julgo que tem vários argumentos para tal. Na referida alocução, António Costa referiu quatro razões para recorrer ao Tribunal Constitucional. A saber: 1. “o Governo não pode deixar de cumprir uma lei da Assembleia da República enquanto esta vigorar, mesmo que a entenda inconstitucional e só o Tribunal Constitucional pode declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de uma Lei”; 2. “os cidadãos beneficiários têm o direito de saber com o que podem contar, se com o que Assembleia da República aprovou, se com o que o Governo viesse a limitar na sua interpretação”; 3. “não se alcança forma justa de reconduzir estas leis parlamentares aos limites orçamentais”; e 4. “é perigoso que se forme um precedente que abre a porta para o receio expresso pelo Presidente da República de a prática parlamentar passar a ser de constante desfiguração do Orçamento de Estado”. Tudo isto, recorde-se, tem na base o facto de Sua Excelência o Presidente da República entender que “os diplomas podem ser aplicados, na medida em que respeitem os limites resultantes do Orçamento de Estado vigente.” Ora, este entendimento para não ser apelidado de juridicamente caricato é, no mínimo, altamente criativo e potenciador de evidentes injustiças. Como seriam atribuídos os referidos apoios? Far-se-ia um rateio? Ou seria por sorteio? Ou seria uma espécie de prova de velocidade (onde apenas os primeiros a chegar teriam direito)? António Costa, obviamente, deixou no ar perguntas similares às aqui deixadas. Aguardemos, pois, pelas respostas saídas do Palácio Ratton a estas e outras perguntas que pairam no ar, bem como ao respetivo entendimento sobre a norma travão. É que se é certo que todas as medidas de apoio social são bem-vindas, também não é menos certo que tais medidas têm de ser tomadas no quadro constitucional vigente. Por isso, Srs Conselheiros, vejam lá se não demoram muito…