Bem sabemos que, muitas vezes, a complexidade técnica das discussões e votações orçamentais e jurídicas e as burocracias parlamentares em torno destes procedimentos são pouco estimulantes ou atrativas e podem, por isso, originar pouca atenção colectiva ao que está em causa.
Admitimos até que o título maçudo deste artigo de opinião pode afastar alguns leitores.
Mas, nos tempos que correm, é fundamental grande atenção tendo em conta o comportamento padrão do actual Governo Regional que, repetidamente, apregoa uma coisa mas faz o seu contrário.
Na semana que agora termina ocorreu o plenário do Parlamento dos Açores para análise e votação das propostas de Plano de Investimentos e Orçamento da Região para o ano de 2021.
Em vários momentos constatámos esse comportamento, o que muito nos preocupa e que obriga a uma grande atenção e escrutínio da actividade governativa.
Entre variadíssimos exemplos, há um momento que materializa na perfeição esse facto. A alínea e) do número 2 do Artigo 4º da proposta de Orçamento para 2021 apresentada pelo Governo.
O artigo em causa refere-se às alterações orçamentais a que o Governo Regional fica autorizado, sem que para isso tenha de prestar qualquer tipo de contas à Assembleia. Por norma, e conforme os procedimentos utilizados até aqui, esta autorização existe para que o Governo possa fazer os ajustes orçamentais estritamente necessários e por motivos de urgência imperiosa, resultantes de calamidades naturais ou de outros acontecimentos extraordinários.
Mas desta vez há uma diferença. No meio das situações urgentes e que carecem de resposta imediata, tentando que passasse despercebido, o Governo Regional propõe também, na tal alínea e) que seja considerado como matéria urgente as acções para a cobertura orçamental de despesas e encargos com pessoal.
Ou seja, com a aprovação desta alínea neste artigo, o Governo Regional passa a estar autorizado a fazer as alterações orçamentais que quiser para aumentar as despesas com pessoal e com contratações a seu bel-prazer, sem que isso tenha de ser discutido, analisado e votado na Assembleia Legislativa dos Açores, como acontecia até aqui. Menos transparência, menos centralidade do Parlamento e fuga ao escrutínio democrático na Assembleia, exactamente o contrário do que a coligação de Governo tem apregoado.
O Governo pode agora aumentar as despesas com contratação de pessoal sem, como diz o nosso povo, "dar cavaco a ninguém".
Mas se seria de esperar uma proposta destas do Governo Regional e uma votação favorável dos partidos que compõem a coligação PSD, CDS e PPM, dificilmente se previa que o Partido Chega e a Iniciativa Liberal também votassem a favor. Sobre esta proposta "comeram e calaram", nem uma palavra, nem um pestanejo!!!
O Partido Chega, sempre tão rápido e convicto a falar da necessidade de reduzir as despesas com pessoal, "comeu e calou"!!!
O Iniciativa Liberal sempre tão expansivo e exuberante a criticar o aumento da administração pública e a defender a iniciativa privada assente no liberalismo económico, "comeu e calou"!!!
Concordam mesmo? Não perceberam a proposta? Ou foram enganados?