Opinião

Por um prato de lentilhas

Aprovado o plano e orçamento para a RAA, com a particularidade de em nome da pandemia se poderem alocar verbas orçamentadas de uma rubrica para outra, autêntico cheque em branco dado por esta nova maioria desrespeitando-se para que servem as submissões ao Parlamento para aprovação de orçamentos retificativos; emergem algumas dos pratos de lentilhas que ajudaram a viabilizar este orçamento e este governo. Existem contrapartidas, porque em política, não existem almoços grátis. O pior é quando algumas destas contrapartidas denegam reprovações fundamentadas há bem pouco tempo no Parlamento Açoriano, baseados em princípios históricos, patrimoniais e até económicos, refutando o bairrismo e o divisionismo como inimigo da coesão regional Um exemplo flagrante é a capitulação do PSD ao capricho do seu aliado PPM autorizando, em nome da cultura vigente; a “trasladação” do exemplar de raça anã, extinta pelo menos nos Açores; e que faz parte do património do acervo único de história natural existente nos Açores, no nosso Museu Carlos Machado. A história desta exigência feita na última legislatura, em fevereiro de 2020, consubstanciou tudo o que de perverso tem o bairrismo e o divisionismo subsequente promovido pelo deputado Paulo Estevão, quando numa proposta de resolução elevou à suspeição de roubo patrimonial de dois bovinos (Bostautus) da ilha do Corvo para S. Miguel, supostamente na primeira década do século vinte. O Sr. Deputado Paulo Estevão, negociou a transferência e agora leva a sua avante, sem necessidade de recurso a novo projeto de resolução, para discussão no Parlamento pelos deputados das restantes ilhas e tendências; e claro vangloriar-se-á na sua defesa da pertença exclusiva dos corvinos dos dois exemplares que se sabe terem existido em várias ilhas, com maior incidência nas Flores e Corvo, e estes em S. Miguel, tendo pertencido ao Conde dos Fenais, que possuiu vários exemplares de que estes dois foram naturalizados provavelmente no início do século XX pelo taxidermista Manuel António Vasconcelos, em Ponta Delgada. Com um século de existência, com uma muito difícil e dispendiosa manutenção, todas as mudanças de qualquer um destes exemplares tem riscos e requer custos elevados de transporte e de manutenção; além de que estão inseridos em contexto museológico de coleção de história natural que no Museu Carlos Machado, pertence a todos os açorianos. Como a cultura pode alocar verbas não orçamentadas para isso, e não farão falta para o combate à pandemia o orçamento irá aguentar-se (digo eu). O Grupo Parlamentar do Partido Socialista em fevereiro de 2020, não aprovou esta pretensão, quer pelos motivos invocados de usurpação e pertença exclusiva, quer porque o processo de taxidermia, hoje em completo desuso para exemplares para exposição em museus; e que era requerido naquela época, por não haver alternativa, agora se faz com recurso a técnicas de reprodução tridimensional em materiais inorgânicos, com muito menos custos de manutenção e de um realismo surpreendente, podendo até reconstituir-se uma pequena manada para pôr à volta do Ecomuseu do Corvo, satisfazendo-se tão específico desiderato. Mas, o Sr. Deputado, mantém o seu capricho. Têm que ser aqueles, agora pelo menos um deles. Quer agora só um (não sei se o vai lá escolher), e quem sabe, o outro para o próximo orçamento: e porque sim! Porque acha que estão em S. Miguel, mas pertencem ao Corvo. Até aos finais do século XIX constituiu-se no Museu Carlos Machado o maior acervo de história natural dos Açores, que pela sua importância, deve ser motivo de orgulho de todos os açorianos que o visitem. Se a gestão do nosso património, valer um prato de lentilhas, grande fraqueza para quem manda, revolta para quem tiver que obedecer; e uma constatação. Para manter esta nova maioria, o Governo Regional até resume S. Miguel a um prato de lentilhas.