"A meu ver, enquanto houver um miserável, um homem com fome, o sonho socialista continua."
Ariano Suassuna
Foi afinal mesmo nos Açores, o lugar do país onde as desigualdades sociais mais diminuíram entre os anos de 2019 e 2020. Constatação de um facto. Feliz, hoje, com a estatística agora conhecida, esta família socialista açoriana? É óbvio que não. É que nem pensar, mesmo. A desigualdade, o risco de pobreza e de exclusão social, são tudo palavras por erradicar do planeta Terra. É contra elas que o socialista se sente imbuído de lutar, e é precisamente por vestir orgulhosamente essa farda que o socialista se distingue de qualquer outra posição política mais liberal e despreocupada. Não basta ver e deixar fluir. A ação do Estado é, na verdade, crucial para que se corrijam e até se invertam ciclos doentios porque viciados de desigualdade. Não o fazendo, demitindo-se dessa primordial função, de pouco ou nada servirá, o Estado.
Por outro lado, é inegável a importância da Educação enquanto ascensor social para as gerações vindouras, porém que se não confunda isto com qualquer espécie de milagre da multiplicação dos pães. E desde logo porque o próprio Estado não pode assistir, impávido e sereno, à desigualdade social profunda com que certas crianças já nascem. O Estado não pode assistir, impávido e sereno, perante a desigualdade social profunda com que certas crianças crescem e se desenvolvem até à entrada na escola ou, melhor dizendo, na pré-escola. O Estado não pode assistir, impávido e sereno, perante a desigualdade de condições de vida e, consequentemente, de condições de trabalho escolar com que certos jovens se veem obrigados a conviver. Quanto maior não será o mérito de um jovem que cresceu até à sua maioridade no pior lado da desigualdade social e que, completando apenas um nono ou um décimo ano de escolaridade à saída da escolaridade obrigatória, nunca abandonou o ensino, comparativamente ao jovem que, oriundo da ponta oposta deste espectro faz parte, afinal, da taxa de sucesso do abandono escolar precoce, ou seja, dos setenta e três por cento que concluíram o décimo segundo ano de escolaridade ou, por outro lado, se encontram ainda em formação? Não tem o Estado a obrigação de intervir, minimizando a desigualdade de condições de vida, para que então, a todos, de igual modo, se possa exigir um esforço na luta pela diminuição da taxa de abandono escolar precoce? E que instrumentos mais indispensáveis para tal que não o recurso a complementos de apoio social a famílias que, em determinada fase da sua vida, necessitam de uma mão firme que as ajude sair do buraco onde acabaram por cair, se é que nele não nasceram já?
Não há partido político que tenha como solução estratégica de combate à pobreza e exclusão social, o subsídio. Sim, o subsídio. Essa palavra tão abominada pelos partidos de direita. Porém, o dito subsídio social, ou um qualquer outro nome que se lhe pretenda atribuir, é afinal a tábua de salvação e não, propriamente, a solução. É pelo direito ao emprego e dignidade profissional que não poderemos deixar de lutar, mas igualmente ao que sucede entre os países mais ricos e os países mais pobres, também entre o cidadão mais rico e o cidadão mais pobre deve a solidariedade fluir à superfície da pele de cada um de nós, agarrando, se necessário for, a mão estendida no lugar de se lhe virar a cara, disfarçadamente.