O aumento galopante do custo de vida constitui a maior preocupação das famílias e das empresas açorianas.
Para compreendermos o que está em causa, importa, previamente, perceber a dimensão e as consequências deste grave problema.
PROBLEMA ESTRUTURAL
O aumento significativo do preço dos bens e serviços teve origem nos constrangimentos de produção e das redes de distribuição na sequência do COVID. Posteriormente, a guerra na Ucrânia transformou este problema conjuntural numa questão estrutural, tendo em conta que fez aumentar de forma prolongada o custo de muitos bens, como a energia e os combustíveis, que são decisivos na definição dos custos de produção, levando ao aumento estrutural do preço da generalidade dos bens e serviços.
Perante esta realidade, os bancos centrais começaram a utilizar o instrumento de que dispõem para combater a inflação: o aumento da taxa de juro para reduzir a procura.
No entanto, como o Banco Central americano está a ser muito mais agressivo no aumento da taxa de juro, esta realidade originou uma desvalorização do euro face ao dólar, com aumento acrescido dos custos das importações.
Em suma, o maior aumento dos preços dos últimos 40 anos deu origem a um aumento das taxas de juro e a uma desvalorização do euro. A conjugação destes efeitos começa, a partir de agora, a originar uma forte retração da atividade económica, prevendo as principais instituições internacionais uma recessão económica a acentuar-se a partir do último trimestre deste ano.
Mas o aumento da inflação trouxe também outro efeito: o aumento da receita fiscal dos impostos que incidem sobre o preço dos bens e serviços. Como os preços sobem e o IVA é uma percentagem do preço de venda, a receita dos impostos aumenta com o aumento da inflação.
Esta realidade levou a que os governos tenham tido condições e optado por devolver às famílias e empresas as receitas em impostos que cobraram a mais do que o previsto, na sequência do aumento de preços.
A EXCEÇÃO AÇORIANA
Esta justa opção dos governos, generalizada em toda a Europa, tem, no entanto, uma exceção: os Açores e o Governo Regional dos Açores, ao contrário do que fez, por exemplo, o Governo da República.
Importa, pois, compreender porque o Governo Regional não devolve aos açorianos os impostos que estes estão a pagar a mais devido à inflação.
A inflação nos Açores já atingiu os 6,9% em agosto e continua a subir, ao contrário do país. Por exemplo, para quem tinha despesas, em agosto do ano passado, de 900 euros, em agosto deste ano, exatamente pelos mesmos produtos, paga mais 62 euros.
Por outro lado, o aumento progressivo das taxas de juros origina um aumento mensal de custos muito significativo para as famílias com crédito à habitação, representando um aumento que pode ultrapassar os 180 euros mensais até ao fim do ano E isto só na prestação bancária da habitação.
Enquanto isso acontece, o Governo Regional vai arrecadar, este ano, mais 53 milhões de euros de impostos, só com o IVA, do que tinha previsto no orçamento, derivado da inflação. E prepara-se para receber, no próximo ano, ainda mais 90 milhões de receitas de imposto de IVA, pela mesma razão.
Ou seja, os açorianos pagam mais impostos e o Governo Regional cobra mais receitas de impostos devido à inflação, mas recusa-se a devolver essa receita extraordinária às famílias e empresas, ao contrário do que faz o Governo da República, que vai devolver, este ano, os 2400 milhões de euros de impostos que recebe a mais em relação ao previsto no orçamento.
Pela primeira vez em muitos anos, as famílias e as empresas açorianas não têm apoios específicos majorados, mais amplos e melhores do que o resto do país para enfrentar uma crise, ao contrário do que aconteceu nas crises internacionais de 2008 e 2011, e na crise do COVID em 2020, quando os açorianos beneficiaram sempre de mais apoios do que o resto do país.
As medidas já anunciadas são insignificantes na sua dimensão e abrangência. Os apoios sociais criados representam apenas a devolução de 800 mil euros e a atualização da remuneração complementar não deve chegar a 200 mil euros este ano.
Ou seja, o Governo recebe mais 53 milhões de euros de impostos devido à inflação do que estava previsto, mas apenas devolve com estas medidas um milhão de euros aos açorianos, ficando com os restantes 52 milhões.
A GRANDE TEMPESTADE
Como alertam todas as entidades credíveis, aproximamo-nos de uma tempestade perfeita: aumento da inflação, aumento da taxa de juro, desvalorização da moeda, e, com a conjugação destes fatores, menos consumo, menos investimento, menos rendimento disponível, o que origina recessão económica, menos emprego e, novamente, menos rendimento.
Os efeitos momentâneos do boom do turismo, uma situação que não se irá repetir e que ocorreu em todo o mundo, após o COVID, não irão minimizar os impactos da conjuntura adversa que se irá sentir cada vez mais.
Se, para as famílias, o Governo Regional não tem tido resposta, para as empresas a situação é ainda pior, porque além de não ter criado medidas de apoio às empresas, o Governo acabou, no início deste ano, com os sistemas de incentivos ao investimento, à competitividade, à exportação e à inovação.
As empresas estão há nove meses sem qualquer possibilidade de se candidatarem a sistemas de incentivos. Desconhecem quando e como serão retomados os sistemas de incentivos, e, para além de não receberem os apoios aprovados anteriormente, continuam sem poder aceder aos 125 milhões do PRR para capitalização pós-COVID.
Nunca as empresas tiveram tão poucos apoios ao seu dispor, o que as fragiliza e cria ainda maiores dificuldades para enfrentarem a crise que se vai instalando.
Como prova dessa realidade, os licenciamentos de novas construções, de acordo com os dados oficiais, começam a baixar, antecipando a redução do investimento privado por falta de sistemas de incentivos e outros mecanismos de apoio.
Num momento em que se consolida a convicção de uma recessão económica, o pior que pode acontecer às empresas é não terem mecanismos de apoio nem incentivos à sua atividade, o que irá agravar ainda mais esta conjuntura desfavorável.
Todos os açorianos se questionam porque o Governo Regional não devolve, pelo menos, os impostos que tem recebido a mais devido à inflação, como fizeram o Governo da República e a generalidade dos governos da Europa.
A resposta é fácil: basta analisar o relatório de execução orçamental até agosto deste ano, divulgado esta semana, para perceber porque o Governo Regional fica com o acréscimo dos impostos decorrentes da inflação e não toma medidas de apoio às famílias e empresas açorianas para fazer face à inflação.
DESEQUILÍBRIOS
Decorridos já dois terços do ano, a Região regista, até agora, o maior desequilíbrio orçamental desde que há registo. Isto é, nunca as despesas foram tão superiores às receitas, como neste ano.
Esta realidade é ainda mais relevante quando esta tendência de crescimento do défice orçamental é contrária ao que acontece no resto do país.
Até agosto o Governo Regional tem um défice nas suas contas de -159,3 milhões de euros. Esse valor é mais de quatro vezes superior ao do ano passado. É um agravamento de 357%, ou seja, mais 124,5 milhões.
Este desequilíbrio registado até agosto é, atualmente, cerca do dobro do verificado em 2020, durante o COVID.
As razões deste agravamento correspondem, exatamente, às situações para as quais o PS/A alertou no momento do debate do orçamento regional, quando considerou que este orçamento não era credível.
Dos 335 milhões de euros de receita de fundos comunitários orçamentada para este ano, o Governo, até agosto, afinal só conseguiu executar 26 milhões, faltando 308 milhões de euros, ou seja, está em falta receber 92% da receita prevista.
Além da incapacidade de execução de fundos comunitários, este desvio brutal na previsão da receita é consequência de, em dezembro do ano passado, para minimizar e disfarçar o desequilíbrio orçamental então existente, o Governo Regional ter contabilizado antecipadamente como receita 75,349 milhões de euros de verbas do PRR, sem que a correspondente despesa tivesse sido realizada.
Ou seja, o Governo Regional, a partir deste ano, terá de executar o PRR com menos 75 milhões de euros de receita, porque gastou-os antecipadamente para cobrir outras despesas, agravando o desequilíbrio orçamental.
O aumento significativo da despesa corrente que se verifica este ano - só as despesas com pessoal aumentaram 26,4 milhões de euros face ao ano passado no perímetro da administração pública- e o facto de a receita não fiscal ser inferior em 113 milhões de euros ao arrecadado o ano passado, contribuem também para o agravamento do défice.
É esta a razão e a verdadeira justificação para os açorianos não beneficiarem da devolução do aumento da receita dos impostos, nem terem apoios para combater a inflação.
Enquanto no resto do país as contas públicas melhoram e é possível devolver às famílias e às empresas o que pagaram a mais em impostos, nos Açores, como o desequilíbrio orçamental está a agravar-se de mês para mês, o Governo está a utilizar este aumento imprevisto da receita de impostos devido à inflação para minimizar o desequilíbrio orçamental que ele próprio criou pelas suas opções.
Em conclusão, as opções gestionárias do Governo Regional, o empolamento artificial do orçamento e a antecipação o ano passado de receitas para disfarçar o défice, levam a que, este ano, o Governo utilize os impostos que os açorianos estão a pagar a mais com a inflação para ajudar a financiar o seu desequilíbrio, não os apoiando, quando mais precisavam, no combate à inflação.
Infelizmente, como a não devolução dos impostos recebidos a mais não é ainda suficiente para corrigir este desequilíbrio, o Governo está a cortar, significativamente, na execução do Plano de Investimentos, cuja taxa de execução é baixa, atrasando investimentos e adiando os pagamentos devidos a entidades, empresas e famílias, o que agrava ainda mais as dificuldades na atual conjuntura.
No próximo ano, o Governo Regional vai voltar a beneficiar de mais de 90 milhões de euros de receita extraordinária, decorrente dos impostos pagos a mais pelos açorianos, exclusivamente, devido ao aumento da inflação.
E, mais uma vez, o Governo Regional irá utilizar o que os açorianos pagam a mais para financiar-se e não para apoiar famílias e empresas, devolvendo-lhes o que lhes é devido.