"Você não tem que queimar livros para destruir uma cultura.
Apenas levar as pessoas a parar de lê-los."
Ray Bradbury
Fosse o Plano e Orçamento um ser, ele assim físico e corpóreo como nós, e sua área cultural seria a alma. É assim que eu sinto. É assim que eu vejo. Arrojar-me-ia mesmo a dizer que, por norma, arrebatando um mínimo de 20 das tais 21 gramas totais que dizem a alma pesar. Estou convicto disso. Convicto, ainda que me pareça altamente inegável de que o velho ditado sobre as bruxas também aqui sirva na perfeição, qual luva de cirurgião: eu cá não acredito nada em alminhas, mas efetivamente que as há, há!
Agora, alma mais reprimida, acabrunhada, amordaçada e enclausurada, do que aquela que dá vida ao nosso Plano de Investimentos de 2023, não encontram, não existe, não há, não pode haver. É hoje mais óbvio do que nunca: vigorosa alma da esquerda vira incómodo apêndice da direita. Ponto. Pela coligação aturada, enfim, definitivamente comportando-se como o indicante gerente que, dia após dia, vai tolerando a caniche, e não mais, afinal, porque apêndice da mais dondoca madame da comunidade local. Lá terá de ser, pois então. Há que engolir esse sapo para que o negócio não fuja.
Não muito longínquo ano de 2020, governo PS, e o investimento na Cultura a rondar os 14 milhões de euros. Ano seguinte, 2021, governo de coligação, e vertiginosa queda até metade a verificar-se: investimento então previsto na ordem dos 7 milhões de euros. Somado novo aniversário, 2022, diminuído o valor para algo já mais próximo dos 6 milhões. Queda nada de especial, afinal, desta feita, não mais do que um insignificante trambolhãozinho. Pouca coisa, para a hecatombe anteriormente verificada. Proposta para 2023: 6 milhões e 400 mil euros! Por aqui nos mantemos, cabecinha fora d'água, enquanto forças houver. Brutal. Efetivamente brutal o espancamento, e que muito provavelmente terá ocorrido numa qualquer rua muito escura da cidade açoriana candidata a capital europeia da cultura...
Facto: dois anos de governação e dos 14 milhões de investimento nesta área propostos pelo governo PS, passámos agora para os 6 milhões e 400 mil euros, talvez o bastante no entender desta direita governativa. Bom... em abono da verdade, diga-se que, neste aspeto, ninguém tentou ludibriar ninguém. Aquilo que agora diz ser, não tenta ombrear, de modo algum, com aquilo que outrora afinal era. Não podemos hoje contar mais do que com uns "Assuntos(inhos) Culturais", pomposamente aqui bem postos de maiúscula em riste naquele desesperado intuito de lhes preservar a dignidade possível.
Mas é baixa a esperança. Haverá pouco a fazer. Moribunda, enfim, espancada num canto, a alma de um Plano. Muito objetivamente, Sr. Doutor, quantos dias lhe poderão restar de vida? Regra de três simples em ação, refeitas as contas ao seu emagrecimento doentio: se 14 milhões corresponderam há 2 anos a 21 gramas de alma cultural (no limite), 6.4 milhões corresponderão hoje a, sensivelmente, 9.6 gramas de assuntos culturais. É isto. É o que resta, por ora. E mais duas ou três continhas de sumir, e mais um ou dois aninhos adiante... vendida a alma ao diabo.