não são precisas aprofundadas explicações para assumirmos como verdade que a pandemia de covid-19 foi um momento de aceleração do crescimento do digital no nosso quotidiano. um crescimento a que já se vinha assistindo, particularmente nestas últimas duas décadas.
em vinte anos, a internet passou do estatismo da web 1.0 para o dinamismo da interacção na web 2.0, explodindo agora na designada web 3.0, graças aos recentes desenvolvimentos na inteligência artificial, redes neurais, machine learning e internet of things, cujos caminhos nos levarão a lugares que não conseguimos ainda vislumbrar.
para termos noção do que mudou nos últimos 10 anos, socorro-me dos mais recentes relatórios anuais do datareportal.com referentes a 2022. estes relatórios possuem dados recolhidos por plataformas online como a globalwebindex, statista, a gsma mobile for development foundation, a semrush, a locowise, a similarweb, a data.ai, a skai e a ookla, juntamente com dados da statcounter e ericsson's mobility report.
em janeiro de 2012, o mundo apresentava uma população total de 7.837 milhões de pessoas, das quais cerca de 2.177 milhões estavam ligadas à internet, perfazendo 27,8% do total da população mundial; dez anos depois, o número mais que duplicou: 4.950 milhões de utilizadores, em 7.910 milhões de pessoas, o que dá uma percentagem de utilizadores a rondar os 63% da população mundial.
quer isto dizer que cerca de 190 milhões de utilizadores começaram a usar a internet em cada um dos 10 anos em análise, numa média de 520 mil novos utilizadores por dia.
em janeiro de 2012, em portugal, de uma população de 10.5 milhões de habitantes, 6.12 milhões tinham acesso à internet, representando, na altura, 58,3% da população do país; dez anos depois, de uma população de 10.2 milhões de habitantes, 8.63 milhões de portugueses utilizam a internet, representando 85% da população total.
para portugal, isto quer dizer que cerca de 2.5 milhões utilizadores começaram a usar a internet, em dez anos, em médias de 250 mil novos utilizadores por ano, a um ritmo de 685 pessoas por dia.
os resultados no nosso país também indicam que, de entre as várias razões para utilizarem a internet, 82,4% dos utilizadores dizem ser para encontrar informação; 71% para saber como fazer coisas; 70,2% para se manterem em contacto com amigos e família. qualquer uma das três razões com fortes implicações no quotidiano do utilizador.
em portugal, para acederem à internet, 71,4% dos utilizadores usa o chrome (da google) e 11,9% safari (da apple), ficando os restantes 16,7% distribuídos pelo microsoft edge, firefox e opera. os sites mais vistos são o google, o facebook e o youtube, sendo o primeiro e o último do mesmo ecossistema do chrome e propriedade da mesma empresa, a google.
quanto ao motor de busca preferido, os portugueses são fãs da google (94,4% de utilizadores), sendo o segundo motor de busca o bing (3,6%) e os restantes com menos de 1,2%, distribuídos por baidu, yahoo, yandex e duckduckgo. neste ponto, uma claríssima hegemonia da google quanto às buscas.
quer isto dizer que a esmagadora maioria das pessoas confia num único browser, num único motor de busca, ambos da mesma empresa, para pesquisarem e encontrarem informação - informação esta que, de uma forma ou outra, terá impacto nas suas vidas.
este excesso de confiança é uma coisa pouco positiva - tanto quanto a unanimidade e o pensamento unívoco o são. mais a mais, quando o recurso gerador de fonte de receita são os dados e as métricas geradas por tais interacções, é de se desconfiar da intenção da "conveniência" da integração dos dados e da sua verdadeira "necessidade".
mas os utilizadores têm consciência de que a sua navegação na internet é a fonte de rendimento das empresas operantes. neste ponto, 75,9% dos utilizadores expressam preocupações quanto à veracidade da informação recolhida na internet e 51,5% dizem-se preocupados pela forma como as grandes empresas tratam a sua informação pessoal e confidencial.
apesar de expressarem preocupações concretas acerca de aspectos da sua segurança e relevância pessoais na internet, na prática, menos de um terço dos utilizadores recorre a ferramentas para auto-protecção ao navegarem na internet.
um dos grandes desafios é precisamente educar as nossas crianças a navegarem na internet de uma forma consciente, segura e confiante; é ensinar os nossos filhos a pesquisar informação de qualidade, a ir para além das 3 primeiras páginas dos resultados do google, a usarem motores de verificação de informação; é, acima de tudo, ter a consciência de que ao papel de ensinar a andar de bicicleta, ou a jogar à bola, terá de se acrescentar o papel de educar para o digital.
onde antes a ignorância travava o desenvolvimento da humanidade por desconhecimento, agora a ignorância trava o desenvolvimento da humanidade por incapacidade de escolha do conhecimento.
os grandes desafios na área da educação não estão tanto ligados à falácia das substituições de manuais em papel por versões digitais, mas mais ligados à resposta às questões da transição digital como competências-base que todos os futuros cidadãos devem ter, como matrizes de uma verdadeira política de literacia digital, que é, em última instância, o que se pretende com a educação para o digital.
também é disto que se fala quando se considera sobre transição digital.